Durante o ano de 2021 o Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas (NCMEC) recebeu, todos os dias, mais de 78 mil denúncias de relativas a material de exploração e abuso sexual de crianças (CSAM). No total foram mais de 29 milhões casos de CSAM dos quais 59% envolviam crianças pré-púberes, ou seja, entre os três anos de idade e a puberdade. É uma realidade aterradora, mas que é praticamente desconhecida do grande público. Por isso é preciso informar e consciencializar para a dura realidade de que sempre que um conteúdo CSAM é partilhado, uma criança é revitimizada. A verdade é que se um abusador, sem sair da sua casa, pode abusar de centenas de crianças via online, uma única criança pode ser repetidamente revitimizada ao ter as imagens e vídeos, da violência sexual de que foi vítima, a serem partilhadas vezes sem conta na Internet, serviços de mensagens ou na Darkweb. 

Os conteúdos CSAM representam um ciclo de violência potencialmente infindável de revitimação e retraumatização para as crianças vitimadas, com consequências devastadoras nas suas vidas e que se estendem até à idade adulta. Estas pessoas vivem com o medo de que familiares, colegas ou qualquer outra pessoa tenha visto registos do abuso sexual de que foram vítimas. Em 2017, o Canadian Centre for Child Protection (CCCP) realizou um inquérito com 150 vítimas de CSAM de todo o mundo e quase 70% das pessoas sobreviventes vivem com a preocupação constante de serem reconhecidas por outras pessoas. Inclusive, 30 dessas pessoas referiram que já foram identificadas por alguém que tinha visto imagens suas quando foram abusadas sexualmente. 

Associações de apoio especializado à vítima de violência sexual:

Quebrar o Silêncio (apoio para homens e rapazes vítimas de abusos sexuais)
910 846 589
apoio@quebrarosilencio.pt

Associação de Mulheres Contra a Violência - AMCV
213 802 165
ca@amcv.org.pt

Emancipação, Igualdade e Recuperação - EIR UMAR
914 736 078
eir.centro@gmail.com

Que futuro podemos esperar da União Europeia?

Urge que a União Europeia assuma o compromisso da luta contra CSAM, nomeadamente através da aprovação da proposta da Comissão Europeia que estabelece regras para prevenir e combater o abuso sexual de crianças. Um dos pontos fortes da proposta é a criação do Centro da UE. Um dos principais objetivos deste Centro é garantir que as grandes empresas de serviços online sejam obrigadas a trabalhar e a cumprir com políticas de deteção de material de exploração e abuso sexual de crianças. Este mês, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OECD) publicou que apenas 20% das 50 principais empresas têm políticas detalhadas sobre prevenção de CSAM.

Com o Centro da UE, as grandes empresas como a Google e Meta (que detêm serviços como o Facebook, WhatsApp, Instagram e Facebook Messenger) são obrigadas a cooperar com medidas de deteção de CSAM, articulando com o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), que visa garantir o direito europeu à privacidade e proteção no tratamento de dados pessoais. Sem este compromisso estas companhias não terão essa obrigação, e a decisão não pode ser facultativa. Ou seja, não podemos ter uma Europa em que as grandes empresas de tecnologia e comunicação atuam sem qualquer tipo de regulamentação e supervisão. Temos de responsabilizar estas empresas quando conteúdos CSAM são partilhados nos serviços que têm, como nas redes sociais ou nos serviços de mensagens.

Para avançar é necessário juntar as grandes empresas como a Google e Meta (entre outras), e especialistas em direitos digitais e privacidade para que as medidas de combate ao abuso sexual de crianças online sejam robustas. Para tal é preciso que a proposta seja melhorada e aprovada, e Portugal, como estado-membro da UE, tem de agir — até ao momento, o Governo português ainda não se pronunciou, mas teme-se que a posição não seja favorável. Compreendo que haja receios, nomeadamente a nível da operacionalização de algumas medidas. Por isso, é importante clarificar que a privacidade tem de ser salvaguardada. Esta proposta não pode ser instrumentalizada para enfraquecer direitos fundamentais como a privacidade. Este é um ponto que acredito que tem de ser claro. No entanto, não podemos desresponsabilizar empresas como a Google ou a Meta. Temos, sim, de envolvê-las, juntamente com especialistas em direitos digitais e organizações de apoio à vítima para que sejam criadas respostas e políticas europeias sólidas. 

Os números são aterradores. As consequências na vida das vítimas podem ser devastadoras. Os abusadores online conseguem chegar às crianças sem que elas se apercebam do perigo que correm. Por isso, no que toca ao combate do abuso sexual de crianças, nomedamente na dimensão online, é impráticável que a Europa avance sem que melhorar e aprovar a atual proposta.