Com cada confinamento que nos é imposto, deparamo-nos com as exceções que deveríamos rejeitar veementemente face a um Portugal que caminha a passos largos para o pandemónio das desigualdades e do duplo critério. Enquanto somos inundados de mensagens debruadas, a tragédia e apelos para que fiquemos em casa, as vedetas pavoneiam-se nas redes televisivas com programas novos; e enquanto se restringem as visitas e acompanhamento aos mais vulneráveis, entre idosos, grávidas e doentes, pelo risco acrescido que estes correm, multiplicam-se as notícias de vacinações fora da ordem de prioridade.

Quando a vacinação dos profissionais de saúde está longe de estar finalizada, mas os trabalhadores de uma pastelaria são vacinados, porque sobraram umas doses e não sabiam o que fazer com elas, algo de muito errado não está certo aqui. E quando os grupos de risco ainda não foram vacinados, porém meninos imberbes já fazem fila para exigir a sua vacinação como algo essencial ao funcionamento da Democracia, é porque há abundância de “Begonhas”, mas escassez de sentido de Estado.

Por outro lado, o lema que se repete em loop: “Fique em Casa” é muito bonito e fácil de proferir para quem tem a barriga cheia, contudo só é exigido a alguns. O mesmo confinamento que obriga a que pequenos empresários como a rapariga que, tentando desafiar as estatísticas de desemprego jovem em Portugal abriu um pequeno negócio de estética, ou a mãe solteira que investiu num centro de estudos, fechem portas e rezem para que passe, à televisão tudo permite.

Peguemos no exemplo do novo slogan da TVI: “Estamos aqui por si”. Desculpem, mas não. Estamos aqui para ganhar dinheiro. Ponto assente. Os 15 milhões que o Governo distribuiu pelos vários meios de comunicação, e que estes aceitaram de bom grado, refletem bem esse voluntarismo e altruísmo. E não há nada de errado com isso, ganhar dinheiro é legítimo. Todavia se uns podem, os outros também têm de poder.

Igualdade de oportunidade é isso mesmo. Não é vedar a uns e abrir exceções aos que convém. Não é fechar uns em casa, obrigar a fechar pequenas e médias empresas, pagar – aos que esses apoios alcancem – uma parte do salário, enquanto outros têm liberdade para produzir a cultura e o entretenimento que alguém considerou essencial.

A isto se adiciona o agravante da desonestidade intelectual e moral com que é vendido: através duma máscara de sacrifício em prol do bem comum. Pois sem o “Big Brother”, sem as influencers e outros convidados de honra para os programas da manhã – ou da tarde, ou da noite – dos vários canais de televisão, sem o futebol, que seria do povinho português? Mal seria que as pessoas se desgrudassem da televisão e se atrevessem a abrir um livrinho. Ou estudar, que apresenta um perigo maior ainda.

O que se conclui é que não, não “estamos todos nisto” enquanto uma Modista de Alcanhões ou um Teatro em Lisboa não possa funcionar cumprindo as regras de segurança, mas seja seguro para que os cabeleireiros, maquilhadores e restante staff, que abrilhantam os apresentadores de televisão, continuem a trabalhar; e enquanto a vacinação dos grupos de riscos não esteja completa mas os familiares deste ou daquele passem à frente na fila. É que nem todos tivemos a sorte de nascer na família certa, não é?

Orwell dizia que “os animais são todos iguais, mas há uns mais iguais que outros”. Esta frase nunca foi tão verdadeira como é hoje. O desafio que deixo é que se desligue a televisão às excentricidades, enquanto as regras não forem iguais para todos, e que se critique e exija responsabilidades pelos crimes cometidos, pois, contrariamente ao que nos dizem, esta é a única ação patriótica possível.

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