Na bolha do meu feed das redes sociais, pouca gente vê CMTV. “Nunca vi a CMTV” é o novo “nunca vejo televisão”. Uma frase com a promessa de nos elevar a um supremo pedestal de intelectualidade, distante dos incautos que se perdem na devassa moral do zapping que os encaminha para o sinistro e degradante canal oito.
A CMTV é um canal por cabo, o que podia justificar este desconhecimento, mas é comum este desprezo pelo que é rasteiro vir acompanhado de uma valorização do que é erudito. No passado, a repulsa pela televisão vinha ligada a um grande amor pelos livros, hoje o asco à CMTV pode ser concomitante com juras de fidelidade à Netflix.
Queremos muito acreditar que cada um de nós é forte o suficiente para resistir ao apelo da estética de um canal sensacionalista. No entanto, a emissão de domingo da CMTV chegou a quatro milhões de pessoas. Nem todas farão parte das classes C e D, das quais tantos se querem distanciar. O alívio de alvejar intelectualmente a CMTV parte do desconforto de o canal satisfazer curiosidades que desejávamos não ter. Há um consenso de que a exploração da tragédia, do crime e da desgraça é um isco fácil e imoral. Mas se ninguém censura o jovem millennial informado que partilha no Twitter o link da nova série de true crime sobre um serial killer que está disponível na plataforma de streaming, muitos estão prontos para estereotipar o velho que confia na televisão por cabo para saciar a fome de drama.
Não há dúvida de que há razões para não gostar da CMTV — eu não sou especial apreciador. Mas é também verdade que se tornou num alvo fácil, um bode expiatório para tudo o que está de errado na forma de informar pela televisão em Portugal. Em Portugal, a CMTV é um sucesso, os principais canais por cabo são informativos e os jornais em canal aberto duram hora e meia e são os campeões de audiências de estações que tanto dinheiro investem em novelas e reality shows. Não há dúvidas de que os portugueses apreciam pivots a ler telepontos.
As televisões também adoram informação, já que são formatos baratos de produzir. No entanto, estes meses de pandemia indicam-nos que muitas horas de informação não produzem necessariamente cidadãos mais informados. Num país pequeno, com uma actualidade pouco entusiasmante, é normal que, à passagem da meia-hora de noticiário, o pivot comece a ler coisas no teleponto que pouco têm a ver com notícias. Esta é uma característica transversal à informação em Portugal, não é um exclusivo da CMTV. Mas a CMTV ganha batalhas de audiências porque não tem problemas em assumir que as procura a todo o custo. O facto de superar constantemente os seus limites no que à ética diz respeito é uma forma de perpetuar-se no nosso imaginário. Talvez fosse mais fácil não lhe oferecermos tanta publicidade gratuita. Sim, eu sei. Diz o gajo que acaba de lhe dedicar toda uma crónica.
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