Divórcios ou separações, a constatação de que a relação, na qual se está, não funciona. Tudo isto será agudizado pelo confinamento profilático à conta da Covid-19? Numa tarde, em conversas telefónicas, sou confrontada com o fim da história de amor de dois amigos. Vão aguentar até ao fim do isolamento, vão repensar o que fazer à vida, mas concluíram, com enorme convicção, de que não conseguem viver 24 horas sobre 24 horas na mesma casa, que não têm conversa, que a vida sexual pifou há muito, que nem sequer têm filhos para disfarçar o cenário absurdo em que se encontram.

Viver com alguém é uma tarefa hercúlea, não será para todas as pessoas, há quem tenha na relação afectiva, conjugal, um apêndice de vida, não lhe dá tanta importância assim. O isolamento põe em evidência essa fragilidade, essa falta de importância e a irritabilidade de estar preso entre quatro paredes há mais de quarenta dias não ajuda em nada. Os escapes são mínimos, são repetidos à exaustão. A violência doméstica cresce, é fácil de perceber que cresça. As autoridades veiculam endereço de email e telemóvel para mensagens escrita, para dar às vítimas uma ferramenta de pedido de auxílio que não implique telefonar de viva voz. Este aumento é português? Não, a leitura de vários jornais internacionais comprova que a violência doméstica aumentou.

No caso dos divórcios ou separações em que não existe um cenário tão maléfico quanto o da violência doméstica, será apenas a falta de amor? O perceber que o amor afinal não chega. Os meus amigos que já tomaram esta decisão, e que a tomaram por causa dos dias estranhos em que vivemos desde março, não falam da morte do amor, é um pouco pior ou constrangedor: é a falta de intimidade. Estar em casa com uma pessoa que, em teoria, escolhemos para ser a nossa mulher ou marido e, de repente, por circunstâncias adversas, ser confrontado com a falta de conversa deve ser deprimente. A minha amiga disse-me uma frase que retive: “Não somos íntimos, afinal não o conheço”. Talvez possa ser exagero, cada caso será um caso, mas pergunto-me até que ponto camuflamos a nossa triste vida conjugal ou amorosa, como queiram, com o trabalho, os afazeres, as obrigações e não encaramos o que está à nossa frente por pura preguiça ou comodismo ou, pior um pouco, porque não nos consideramos merecedores de uma vida melhor.

Uma das grandes lições deste tempo infeliz é que a vida pode ser mais simples, quem sabe se não deve ser mais simples, o dever é um verbo mais categórico, e também é curta e inesperada. Voltamos à minha frase habitual, vais morrer, não sabes quando, onde queres desperdiçar as tuas energias? E com quem? Este tempo que vivemos obriga-nos a fazer uma limpeza nos afectos e perceber quem é e quem não é importante.