Cruzar fronteiras, por terra, ar ou mar, deixou de ser uma garantia. A liberdade que tínhamos parece que nos foi roubada, sem mais nem menos. Espaços que, até agora, nos eram familiares, como supermercados, lojas ou restaurantes, representam medo, perigo e insegurança. Aquilo que antes era rotina, agora tornou-se proibido e temido: os almoços de família no fim de semana, as visitas a pais ou os avós, os convívios de fim de tarde com amigos. Não podemos ir aos sítios onde sempre íamos, abraçar quem nos é querido. Tememos pela nossa saúde, pelo nosso trabalho, por aqueles que, devido às circunstâncias, estão longe. Os meios de subsistência já estão em sério risco para algumas pessoas. Tudo na nossa vida mudou.

É por isso tão importante que este momento nos sirva de reflexão. Queremos que o vírus seja uma ameaça para a humanidade ou que seja uma ameaça para a nossa humanidade?

O “distanciamento social” é a forma de controlar a propagação do vírus. Mas o termo tem sido já contestado por académicos e especialistas das ciências sociais, e mesmo a Organização Mundial de Saúde já adotou o “distanciamento físico”. Não descurando a questão linguística, a ideia mais importante neste momento é a de que precisamos de estar mais juntos do que nunca, fortalecermos as nossas ligações e a nossa solidariedade social, ainda que à distância.

E essa solidariedade passa por procurar compreender os acrescidos desafios quotidianos de quem enfrenta o desconhecido, em busca de segurança, deixando para trás casa, família e amigos. Esta nova realidade é tão real em Portugal, mas também noutros locais do mundo, alguns de forma ainda mais drástica, pois a resposta à crise é tão mais dura e difícil em situações humanitárias delicadas. As pessoas que vivem em campos de refugiados pelo mundo inteiro, as pessoas que sofrem o flagelo das guerras e de outras violações de direitos humanos estão também a enfrentar a pandemia.

Às portas da Europa, os refugiados estão numa situação de vulnerabilidade e incerteza acrescidas, em campos sem quaisquer condições, seja na fronteira da Grécia com a Turquia, nas ilhas gregas ou no Líbano. Os relatos são devastadores: mães que contam os seus receios, pois não têm paredes para se poderem proteger, a si e aos seus filhos, que alertam para a falta de sabão, desinfetante e outros materiais de higiene e proteção. As pessoas são obrigadas a conviver tão próximo que sentem a respiração umas das outras. Concretamente, na ilha de Lesbos, onde existe o maior campo de refugiados da Grécia, são já pelo menos três os casos reportados de infeção pela COVID-19, o que levanta sérias preocupações.

Neste momento, olhamos para a nossa situação de isolamento e de medo. Grande parte de quem lê este texto vive a situação com acesso a comodidades, com uma casa para se proteger, com comida e produtos de higiene e desinfeção, com meios de comunicação social que mantêm os serviços de informação, com internet e telefones que, mesmo à distância, nos quebram o sentimento de isolamento. Ainda assim, consideramos a situação desesperante. Saibamos, hoje, olhar mais longe e ligarmo-nos a essas pessoas, nos campos de refugiados sem condições, e sentirmo-nos em solidariedade com elas.

Por isso, a Amnistia Internacional lança um desafio. Para que, num gesto tão simples, escreva uma mensagem de solidariedade a todas essas pessoas nos campos de refugiados. Uma simples mensagem, que significa tanto, pois mostra àquelas pessoas que não estão sós e não foram esquecidas. É tão fácil, no imediato, enquanto está no seu computador ou smartphone: www.amnistia.pt/solidariedaderefugiados.

Se os tempos que vivemos são de receio, têm de ser também de solidariedade, de esperança determinada, de compaixão e de empatia. Este é o momento de aceitarmos a nossa vulnerabilidade – ela faz parte de sermos humanos – e de transformarmos o medo em esperança, fazendo emergir o melhor da humanidade. Juntos, vamos reafirmar a universalidade dos direitos humanos, vamos tomar conta uns dos outros, vamos agir.


Paulo Fontes é Diretor de Comunicação e Campanhas da Amnistia Internacional Portugal