1 - Votaram menos 479.349 pessoas, num ano em que ainda por cima havia mais 1.050.113 eleitores inscritos;

2 - Marcelo Rebelo de Sousa ganhou, inequivocamente, mas não com a força toda que alguns parecem querer atribuir-lhe. Recebeu 2.533.799 votos, apenas mais 121.874 votos do que há cinco anos, num ano em que, além dos mais um milhões de eleitores, havia sete em vez de dez candidatos à Presidência da República, o que concentrou mais os votos;

3 - Marcelo ganhou com 2.533.799 votos, Ramalho Eanes obteve 2.967.137 em 1976 e 3.262.520 em 1980. Em 1986, Diogo Freitas do Amaral reuniu 2.629.597 contra 1.443.683 de Mário Soares, o que deu lugar a uma segunda volta, que Soares venceu com 3.010.756 votos, concentrando os votos dos candidatos da esquerda. Em 1991, Soares teve 3.459.521 e o apoio do PSD. Em 1996, Jorge Sampaio ganhou 3.035.056 votos e voltou a ganhar cinco anos depois com 2.411.453 votos, menos 472 votos do que o resultado de Marcelo em 2016. Cavaco Silva conseguiu 2.758.737 votos em 2006 e 2.231.603 em 2011. É fácil perceber que Marcelo Rebelo de Sousa não teve ontem uma vitória estrondosa;

4 - Marcelo percebeu os "sinais", como disse no discurso de vitória. Prometeu ficar mais atento à estratégia de combate à pandemia, às ansiedades/necessidades dos portugueses em geral, à aplicação transparente dos fundos comunitários e até a uma Lei Eleitoral velha e que discrimina, por exemplo, cerca de 1,5 milhões de emigrantes. Foi sempre melhor nas palavras do que nos actos.

5 - António Costa ganhou, mas vai ter de se pôr a pau. No seu discurso, Marcelo Rebelo de Sousa disse ter "a noção de que os portugueses querem mais e melhor"; um aviso ao Governo.

6 - António Costa perdeu dentro do seu próprio partido. Ana Gomes conseguiu reunir 541.345 votos, um belíssimo capital político que não vai querer desperdiçar. A ver vamos como irá aplicá-lo;

7 - André Ventura não perdeu. Pode ter ficado atrás de Ana Gomes, ao contrário do que queria, mas reuniu quase 500 mil votos (496.653), ganhou. Não vai ser derrotado por ideologias, mas por quem conseguir dar aos portugueses aquilo que lhes falta;

8 - Marisa foi a grande derrotada da noite: 164.731 votos, contra os 469.582 votos de há cinco anos. Se estes números se reflectirem nas próximas legislativas o Bloco de Esquerda está em sarilhos (e reduzido a três deputados);

9 - Francisco Rodrigues dos Santos cantou vitória. Compreende-se, finalmente um candidato do CDS ganha umas eleições;

10 - Rui Rio foi ultrapassado até pelo PCP. Enquanto decidia se falava, se calava, discursaram João Ferreira e até Jerónimo de Sousa: 180.473 votos, não havia muito para dizer;

11 - Tiago Mayan alcançou 164.731 votos, um belíssimo resultado para a Iniciativa Liberal e para um candidato que nunca ninguém tinha visto antes e que teve, muito graças à pandemia, dificuldades acrescidas para se dar a conhecer;

12 - Vitorino Silva ficou abaixo das suas próprias expectativas: queria mais um voto que fosse e em vez disso teve menos 29.351. Mas é bom que os políticos do sistema oiçam o que diz: fala do interior, da desigualdade social e da pobreza, temas obviamente subestimados pelos políticos da praxe;

13 - Ao apoiar Ana Gomes, o PAN assume-se, pela primeira vez na sua história, como partido de esquerda;

14 - As sondagens voltam a ficar abaladas na sua credibilidade. Sobrestimar da participação eleitoral foi apenas um dos erros: não votaram 6.530.281 de recenseados (10.791.490 inscritos, residentes em Portugal e no estrangeiro);

15 - A abstenção tem vindo a aumentar desde as primeiras eleições em democracia, em 1975, qualquer que seja a metodologia de medição utilizada. Estas não foram excepção. O aumento é visível em todas as eleições, com excepção parcial das eleições autárquicas.

Em relação aos eleitores residentes no estrangeiro, a participação tem descido de forma muito acentuada, mas sabe-se que é tendencialmente mais elevada nas eleições legislativas, em é permitido o voto por correspondência.

Marcelo Rebelo de Sousa afirmou no anúncio da sua candidatura que "lá fora milhões de compatriotas são Portugal" e "cada português conta". Cada português conta é, aliás, uma expressão muito utilizada pelos políticos, o que torna ainda mais incompreensível que pouquíssimo tenha mudado no sistema eleitoral desde há 45 anos.

Vivemos na era digital, mas os cadernos eleitorais continuam a ser um problema. O voto electrónico, online ou presidencial, continua a ser uma ilusão, apesar de já estar testado e ser praticado noutras democracias. Temos a obrigação de, no mínimo, fazer a experiência. Várias experiências. E já. Se houver vontade política e o desafio fora lançado, com certeza haverá interesse das tecnológicas portuguesas em desenvolver um modelo à prova de fraude.

Incompreensível é também que seja possível votar por correspondência nas legislativas, mas que o voto tenha de ser presencial no caso das eleições presidenciais e europeias.

Note-se mais: apenas é possível votar em 150 localidades do mundo, quando há portugueses espalhados por 186 países. Isto não dá uma secção de voto por país e é preciso ter em conta a dimensão de alguns deles: o Brasil é 92 vezes maior que Portugal, Angola 14 vezes. Um emigrante a residir em Minneapolis tem de apanhar um avião para votar em Washington DC.

Como se isto não bastasse, este ano estamos em plena pandemia. Nada que não se soubesse há pelo menos dez meses, mas ainda assim o planeamento (se houve) falhou por completo; quase nada foi previsto nem fora, nem dentro do país. A "festa da democracia" do ministro Eduardo Cabrita foi um flop;

O voto antecipado e em mobilidade poderia ter sido estendido por mais dias e alargado aos emigrantes.

Podia ter-se acautelado o voto de mais de 100 mil portugueses em isolamento profilático (o boletim da DGS de sexta-feira apontava para 157.660 casos activos e 200.730 contactos em vigilância).

Não admira que muitos questionem a existência da Comissão Nacional de Eleições - a inclusão no boletim de voto de um candidato fantasma (Eduardo Nelson da Costa Baptista) é uma anedota - uma estrutura em que ninguém mexe desde a sua fundação e que tem de preparar eleições apenas de dois em dois anos, no máximo. A ver vamos como serão as autárquicas, já em Setembro/Outubro. Avisos não faltam.

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