Tinha acabado de entrar para o 7º ano de escolaridade numa escola nova, com colegas novos e, claro, professores novos. Com 13 anos, a passagem para o 3º ciclo é das mais importantes e potencialmente mais inquietantes que alguém, no início da sua puberdade e adolescência, pode ter. Fui gozado por usar fato de treino com botas ortopédicas, mas este texto não é sobre a minha mãe. Na primeira aula de Educação Visual, uma disciplina nova para todos os alunos – menos para os burros dos repetentes – a professora, uma senhora pequenita e simpática, cheia de energia, decide o seguinte “Vamos contar quantos rapazes e quantas raparigas há!”. Começa a fazer a ronda, a contar os rapazes, um por um, quando empanca a contagem numa pessoa, faz uma pausa e pergunta: “Tu és rapaz ou rapariga?”. A turma inteira ri-se e ele responde com a sua voz ainda não alterada pela puberdade e ajeitando a sua écharpe “Rapaz!”. A professora continua a sua contagem como se nada tivesse acontecido. Na altura, apesar de me rir em conjunto com a turma, aquilo pareceu-me logo de uma violência e de uma falta de sensibilidade gigante vinda de um adulto e, ainda por cima, de um educador. Nós também gozávamos com miúdo, mas nós éramos putos estúpidos, não sabíamos melhor. No entanto, a dúvida da professora foi legítima, atenção, sem o ouvir falar e naquela androgeneidade generalizada da pré-adolescência, é normal que a dúvida se instalasse na cabeça da professora, mas perguntar em alto e bom som se é rapaz ou rapariga? Nunca! Tinha de arriscar! Olhar para o buço e arriscar. Se falhasse desculpava-se com a falta de óculos ou assim que seria menos ofensivo do que fazer a pergunta para todos ouvirem e gozarem com o rapaz.

Mais de vinte anos volvidos e, agora, reza a lenda no grupo de colegas dessa altura com quem ainda vou falando que esse rapaz mudou de sexo e é agora uma mulher. Nunca obtive confirmação dessa informação, mas a ser verdade parece que a professora era uma visionária e percebeu a dicotomia de identidade de género que ali estava em conflito naquele ser. O que na altura pareceu ser uma completa falta de sensibilidade e pedagogia, parece que agora faz sentido. Aliás, prevejo um futuro em que tem de se perguntar a toda a gente qual o seu género, para não corrermos o risco de tratar por “ele” o que parece ser um rapaz de barba e voz grossa e ofendermos a Vanessa. Curiosamente, no trânsito vai ser mais fácil distinguir, pois basta olhar para o carro e perceber se tem muitos riscos de lado para sabermos o género do condutor.

Falo disto porque estive de férias e não tive tempo para dar atenção às polémicas das casas de banho na escola em tempo útil. Há muita gente a pensar que as novas leis aprovadas vão fazer com que as crianças vejam a identidade de género como escolha múltipla. Vão escolher à sorte o seu sexo ou vão copiar pelo colega do lado e escolher um género só porque está na moda. Muitos dos que falam na moda da ideologia de género são os que seguem a moda e importam a bandeira da luta contra essa suposta ideologia do Brasil e dos Estados Unidos porque veem que é uma boa forma de terem atenção.

A minha ideologia é a seguinte: se és maior de idade, faz o que quiseres. Nem me interessa se é uma disforia de género ou um problema mental. Nem quero saber. És maior, faz o que quiseres para ser feliz. Queres meter 7 pénis alinhados com os chacras ao longo da coluna e dizer que te identificas com um estegossauro de pilas? Desde que as pilas tenham sido recolhidas com o consentimento dos donos, por mim tudo bem. Quanto às crianças, percebo que haja gente que finja estar preocupada com os filhos dos outros, mas todos sabemos que é mentira e que são pouquíssimas crianças nessa situação. Preocupam-me mais os pais que não vacinam os filhos do que os que acham que o Martim afinal é a Soraia, só porque o apanharam a refilar com o Action Man para baixar o tampo da sanita, e lhe começam a dar hormonas.

Sugestões e dicas de vida completamente imparciais:

Para ler: Coisas no geral

Para ir: Comic Con

Para ver: Paper Tiger, de Bill Burr