Pedro Sánchez, quando optou por recusar o governo de uma geringonça espanhola (com Unidas Podemos e partidos nacionalistas) e escolher novas eleições gerais, imaginava uma evolução favorável para os socialistas: tinha mostrado firmeza ao recusar a tentação esquerdista e de pactos com alguma submissão aos catalães, estava a atrair o voto dos centristas que cada vez mais se afastavam das intransigências de Rivera (líder do Ciudadanos), a ânsia de Iglesias por lugares para o Podemos no governo, tudo somado, prometia o reforço dos socialistas. Sánchez confiava no PSOE acima dos 30%. Parece ter caído num estranho erro de cálculo: não deve ter medido devidamente as consequências do anúncio da sentença do julgamento dos independentistas catalães em cima da campanha eleitoral. Era óbvio que a sentença seria pesada e que iria desencadear revoltas. Talvez não imaginasse que em tão grande escala. Talvez tivesse esperado que a sentença – e as suas consequências – ficasse para depois das eleições. A realidade mostra que o quadro eleitoral, a 20 dias do 10 de novembro de eleições gerais, está a mover-se.

As tendências nas várias sondagens são constantes e confirmadas pela que foi divulgada nesta segunda-feira: os socialistas do PSOE de Sánchez, em vez de subirem, descem, pouco, mas descem; o PP de Casado recupera, com uma subida expressiva que o deixa a uns cinco os seis pontos percentuais do PSOE; o Ciudadanos desmorona-se, aparece abaixo dos 10% e discute o 3.º lugar com os ultranacionalistas do Vox e com os esquerdistas do Unidas Podemos.

Em suma: ressurgem os grandes partidos tradicionais. Num parlamento onde a maioria absoluta exige 176 deputados, o PSOE tem prometidos 120 a 125 (teve 123 nas eleições de abril), o PP aparece com 95 a 105 (teve 66, recupera muito), Unidas/Podemos com 24 a 36 (teve 42), sendo que o Vox surge num intervalo entre os 24 e os 33 deputados (tinha 24) que lhe permite sonhar com 3.º lugar. O grande trambolhão é do Ciudadanos de Rivera: elegeu há seis meses 57 deputados, foi radical a inviabilizar o governo de Sánchez e sai penalizado com apenas 21 a 24 deputados.

O parlamento espanhol vai continuar muito fragmentado. O voto na Catalunha e no País Basco continua robustamente nacionalista, com os partidos espanholistas muito minoritários. A Esquerda Republicana da Catalunha (de Oriol Junqueras, condenado a 13 anos de prisão) pode ampliar o total de 15 deputados que teve há seis meses. O conjunto de cinco partidos à esquerda tem a estimativa de 34 a 36 dos 48 deputados que cabem à Catalunha. Uma dissidência do Unidas Podemos, o novo partido Más País, tem a estimativa de eleição de 5 deputados.

Cruzando todos estes indicadores, a soma das direitas fica longe dos 166 deputados – parece rondar os 155, no melhor cenário. A soma das esquerdas também não dá maioria para governar, a não ser que se juntem os votos da Esquerda Republicana da Catalunha.

A batalha política transferida para as ruas e avenidas da Catalunha está a render votos ao PP e ao Vox. O PSOE que teve no verão sondagens que lhes prometiam 140 deputados está na encruzilhada a três semanas de eleições: continuar a recusar a linha dura de medidas excecionais perante os distúrbios na Catalunha está a vedar votos espanholistas ao PP e ao Vox; essa recusa da via repressiva que Rajoy usou em 2017 provavelmente vai ter o preço de perda de votos, mas deixa algumas portas abertas para, depois das eleições, a indispensável procura de diálogo e negociações políticas.

Há uma questão: o movimento independentista, robusto, tomou a rua em modo caótico e percebe-se que não obedece a qualquer liderança. Nota-se a falta de quem no lado independentista mostrou estofo político, Oriol Junqueras – condenado a 13 anos de prisão.

Os independentistas pacifistas, os que não quebram vidros nem incendeiam contentores, amplamente maioritários mas ultrapassados pelos violentos, estarão virados para apoiar a via de diálogo em ordem? Será possível o diálogo com Torra, contestado por vários setores do independentismo, a chefiar o governo da Catalunha?

Vai ser difícil sair deste labirinto e as eleições, provavelmente, não vão ajudar nada.

A TER EM CONTA:

Multiplicam-se tumultos nas ruas: em Beirute, em Hong Kong, em Santiago do Chile.

Rara convergência entre jornais rivais na Austrália: puseram-se de acordo na contestação a medidas restritivas da liberdade de imprensa adotadas pelo governo, que invoca questões de segurança nacional. Decidiram encher a primeira página com o protesto, assim e assim.

A hora volta a mudar. Porquê?

O que esperar agora do Reino Unido? Com este sábio comentário de John Le Carré.