Tirar da dolorosa e dramática decisão de eutanásia o peso de ser considerada prática criminosa não é, de modo algum, um incitamento à realização deste ato. Tal como a aprovação da lei que despenalizou a interrupção voluntária de gravidez não ampliou a prática de abortos. O que está em causa é o respeito pelo exercício uma liberdade extrema e, assim, renunciar à punição de uma escolha que não deve merecer censura penal.

Muitos testemunhos poderiam ser trazidos aqui. Peço atenção para um em especial. É o testemunho de Ana de Matos, uma mãe que teve de deixar a filha, Cristina, partir, para que o irreversível sofrimento extremo não fosse prolongado. Ana de Matos teve a coragem de telefonar para a rádio pública, onde o tema eutanásia era discutido, e contar a terrível dor que enfrentou. Para ouvir este comovente testemunho, é preciso abrir o link para esta edição da Antena Aberta da Antena 1 e levar o cursor da escuta aos 29 minutos e 10 segundos do programa. Como diz esta mãe, é um gesto de amor este de libertar alguém que sofre. Testemunhos como este que escutamos ao longo de cinco minutos e meio levam-me a afastar qualquer dúvida sobre a necessidade de enquadrar o direito à escolha da eutanásia, como opção última, mas irrecusável.

Obviamente, importa cuidar a melhor qualidade de cuidados paliativos que possam atenuar ou mesmo anestesiar o sofrimento de quem está em quadro terminal de vida. Mas há fases em que só ao deixar a vida se deixa a insuportável dor física e psíquica. Os cuidados paliativos, sendo um importante alívio da dor, não são alternativa à eutanásia.

Não faz sentido que o Estado possa continuar a imiscuir-se na liberdade de uma pessoa com doença incurável, em irreversível impasse terapêutico e em sofrimento insuportável. Essa pessoa deve ter garantida a liberdade para pedir aos médicos que a façam deixar de viver mais tempo de atroz sofrimento.

Obviamente, é obrigatório que essa opção passe por um grupo diverso de médicos, que constate o padecimento irreversível e que verifique minuciosamente que o pedido do paciente corresponde a reiterada vontade própria, assente em ponderada reflexão, com plena informação e em modo consciente.

Os projetos que os deputados portugueses vão votar definem legislação com sistemas de garantia bastantes para evitar abusos e práticas injustificadas.

A eutanásia é uma última opção. A que nenhuma pessoa é obrigada. Mas cada pessoa, desde que no terrível quadro clínico que a justifica, deve poder ter a liberdade de escolher, com a mediação de equipas médicas que cuidem dessa intervenção, que é gesto de humanidade envolvido por afeto, em modo medicamente adequado. É um ato de respeito pela pessoa em grande sofrimento por doença incurável.

Estamos todos desafiados para, em tempo de vida saudável, com toda a lucidez, elaborarmos o nosso testamento vital onde assentamos as nossas instruções aos médicos e às nossas pessoas sobre como escolhemos, chegado esse momento terminal, deixar a vida.

A TER EM CONTA:

A prevenção de pandemias deve subir ao topo das prioridades políticas globais?

O socialista Bernie Sanders está na frente da corrida democrata para defrontar Trump em novembro. O multimilionário Michael Bloomberg pode ser alternativa democrata ao centro?

Contemplar a beleza da natureza.

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