A Arménia é um país de que nos lembramos porque Calouste Gulbenkian era arménio e porque está na História como vítima de um genocídio brutal – um milhão e quinhentos mil mortos – perpetrado pelo Império Otomano, que os turcos até hoje se recusam a admitir que tenha acontecido.

O Azerbaijão é uma daquelas repúblicas ao sul da Rússia, na região do Cáucaso, de que nunca nos lembramos e confundimos com outras de nomes parecidos, o Quirguistão, Turcomenistão, Uzebequistão e Tajiquistão. Apenas o Afeganistão aparece nos noticiários regularmente por causa dos mujahidins, guerreiros pertinazes contra os russos (1979-1989) e, dos talibãs, que há 20 anos (desde 2001), resistem aos norte-americanos.

Todos estes estados faziam parte da União das Repúblicas Socialista Soviéticas – menos a Arménia, que estava dividida desde a I Guerra Mundial entre russos e turcos, e o Afeganistão, que sempre se manteve independente.

Com a queda do Império Russo, em 1918, a Arménia e o Azerbaijão tornaram-se independentes, e dois anos depois entraram em guerra por causa da região de Nagorno-Karabakh. O conflito foi “adormecido” em 1923, quando o rolo compressor da URSS juntou tudo sobre o seu controle. Mas essa paz forçada entre as diferentes etnias – os arménios é uma, os azeris, outra – acabou com a dissolução da URSS, em 1991, e a Arménia e o Azerbaijão voltaram a ser países independentes.

Nagorno-Karabakh, um enclave dentro do Azerbaijão com maioria arménia, também achou que esta era a sua oportunidade, e declarou-se soberano, com o nome de República de Artzakh. Ninguém os reconheceu, e a Arménia anexou o território logo a seguir, enquanto o Azerbaijão reclamava que era seu.

O argumento da Arménia era – e é – que a integração de Nagorno-Karabakh no Azerbaijão levaria à extinção da maioria arménia, no seguimento da violência azeri contra eles, apoiada pela Turquia, cujos massacres de arménios ficaram para sempre na memória.

Contudo, os arménios também não perderam a oportunidade de se vingar dos azeris, como em 1992, quando massacram centenas na cidade de Khojaly.

Ou seja, as duas etnias não se suportam desde tempos bíblicos, e o labirinto que representa uma região encravada num país e ligada ao outro por um corredor montanhoso não facilita a situação.

As maiores vítimas da situação são, como de costume, a população civil. Meio milhão de azeris foram expulsos do território, por vezes com violência, e outros duzentos mil tiveram de sair da Arménia. A região ainda mostra as cicatrizes – casas destruídas, campos abandonados – da guerra da década de 90 (terminada com a derrota do Arzebeijão em 1994), em que muito se estragou e nada se resolveu. O conflito terminou com o chamado Acordo de Minsk, patrocinado pela França, Estados Unidos e Rússia.

Ambos os países são democracias, até ao ponto em que povos pouco habituados à prática democrática podem exercê-la sem pressões. A Arménia é uma República parlamentar semi-presidencial, com um presidente representativo, o executivo na mão do primeiro ministro e um parlamento unicameral. Mas o actual primeiro ministro, Nikol Pashinyan, subiu ao poder numa revolução, em 2018.

O Azerbaijão é uma República presidencialista e, embora tenha eleições, está presentemente sob um regime de partido único, liderado por Ilham Aliyev. Nos últimos anos, graças às suas reservas energéticas, tem reforçado substancialmente as forças armadas com equipamento sofisticado fornecido por Israel, Rússia e Turquia. Aliyev está disposto a revidar da derrota de 1994 e incorporar Nagorno-Karabakh no seu território. Ciente da sua superioridade militar, decidiu passar à ofensiva, há poucas semanas.

Esta nova guerra, de baixa intensidade, mas desgastante, não trouxe vantagens territoriais a nenhuma das partes. Esta semana Moscovo conseguiu promover um cessar-fogo, que ficou no papel; as hostilidades continuam.

O conflito interessa às potências regionais, evidentemente. A Rússia tem um acordo de defesa mútua com a Arménia, que poderá ser acionado se os azeris entrarem no território arménio – Nagorno-Karabakh é internacionalmente reconhecido como fazendo parte do Azerbaijão, embora esteja na mão dos arménios. Mas a Putin não interessa nada um conflito alargado e preferia certamente que se conseguisse uma paz estável. Por outro lado, também não quer alienar completamente o Azerbaijão, que considera, como todas as ex-repúblicas da URSS, dentro da sua zona de influência e até susceptível de uma integração, num melhor cenário futuro.

A Turquia está do lado do Azerbaijão, uma vez que Erdogan também considera a Arménia como um território potencialmente absorvível, dentro da sua sonhada reconstituição do Sultanato Otomano. Mas o presidente turco precisa de agir com uma certa contenção, pois não pode hostilizar excessivamente os russos. Erdogan tem navegado à vista, dentro duma situação ambígua, em que a Turquia tem todo o interesse em continuar na NATO, mas acabou de comprar armamento a Moscovo. O xadrez da região é muito complicado; basta lembrar que Turquia e Rússia são aliados na Síria...

É fácil prever que o conflito vai continuar, intermitente ou contínuo, sem solução possível. Também é fácil ver que as grandes vítimas são os habitantes da região, que pouco se interessam pelos jogos de interesses internacionais, e mesmo pela sobrevivência política dos respectivos líderes, mas pagam caro pelas suas estratégias de poder.