O balão gigante chinês que parecia uma lua e que com grande surpresa foi detetado a grande altitude – na estratosfera, a uns 100 quilómetros da superfície terrestre – sobre os céus do estado americano de Montana e na vertical de silos nucleares dos EUA tornou-se, para os americanos, rosto concreto da ameaça chinesa.
Até à semana passada, as ameaças da China, apesar de constantemente agitadas, pareciam abstratas. Era o risco de escalada em Taiwan e a dependência que toda a economia tem dos semicondutores que têm origem quase em monopólio na região.
O aparecimento deste balão chinês nos céus da América veio expor a desconfiança sobre a China, transversal a todas as tendências da classe política nos altos níveis de poder nos EUA.
A China, de imediato (embora só depois de detetado pelos EUA), assumiu estar na origem do balão. Declarou ser um balão de pesquisa meteorológica que tinha entrado em rota descontrolada. Ninguém nos Estados Unidos deu crédito à explicação chinesa.
Apesar de na era de múltiplos sofisticadíssimos satélites, todos viram o balão como olhos e ouvidos da espionagem chinesa.
Há um argumentário que ampara as desconfianças americanas: o comando operacional do arsenal nuclear dos Estados Unidos mudou recentemente a rede secreta de ligação e comunicações entre os diferentes sítios nucleares nos EUA. Os peritos americanos em análise de dados estratégicos sustentam que o balão, equipado com sensores de alta-tecnologia, pode detetar o sinal de comunicações que não estão ao alcance dos recursos dos satélites a muito maior altitude.
A espionagem é uma competição entre partes rivais. As agências americanas sabem como se movem em operações de espionagem sobre a China. A fúria oficial nos EUA contra Edward Snowden, declarado traidor por ter denunciado métodos obscenos de agências americanas, decorre de ele, há já dez anos, ter revelado como estas entraram nas profundezas secretas da rede chinesa Huawei e assim ficaram com acesso a informação sobre quem controla o sistema nuclear chinês.
Neste momento ainda não há certezas sobre se o balão tinha missão de pesquisa meteorológica ou de espionagem.
O caso deste balão até parece uma história de fantasia de principiantes, tão rudimentar na aparência. Mas deixa um cúmulo de consequências. Sobretudo, levou à suspensão da muito esperada visita do chefe da diplomacia dos EUA a Pequim. E voltou a abrir uma brecha no relacionamento entre as duas superpotências.
As relações entre Washington e Pequim tiveram momento crítico em agosto passado, com a visita da então presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, a democrata Nancy Pelosi, a Taiwan. Foram menos de 24 horas na ilha que tem governo próprio mas que Pequim considera parte inalienável do território da República Popular da China. O poder chinês reagiu com fúria, cortou imediatamente a cooperação que estava a avançar com os EUA sobre Clima, Biodiversidade e Defesa. Também desencadeou manobras militares aeronavais sem precedentes nos mares em volta de Taiwan.
A tensão foi aliviada, três meses depois, com o primeiro encontro residencial cara a cara entre Joe Biden e Xi Jinping no decurso da cimeira G20 em Bali, na Indonésia.
Agora, o balão chinês que durante cinco dias atravessou o território dos EUA – foi abatido no sábado por um avião militar americano quando já estava sobre as águas do Atlântico – introduz novo conflito, quando se esperava que a visita de Blinken nesta semana a Pequim marcasse o progresso de essencial boa cooperação.
É de esperar que o interesse comum e o pragmatismo das duas partes leve à retoma do diálogo e à busca de compromissos.
Mas o episódio do balão chinês mostra os riscos do atual clima de desconfianças capazes de ativarem engrenagens difíceis de controlar.
Estão em curso desenvolvimentos a ter em conta. Em paralelo, países como o Japão e a Coreia do Sul vão participar na cimeira da NATO no próximo verão em Vilnius. É a NATO a alargar-se ao Extremo Oriente. Parece óbvio que o objetivo é o de contenção da China. Resta saber como Pequim vai reagir. Tudo isto quando a guerra na Ucrânia está a entrar em fase muito delicada.
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