Foi há 40 anos, dezembro de 1980. No dia 4, uma quinta-feira, morte do então primeiro-ministro e líder social-democrata, Francisco Sá Carneiro, na queda por causa nunca esclarecida, da avioneta em que acabava de descolar de Lisboa. Portugal ficou em choque. No domingo, dia 7, eleição presidencial com triunfo (56,4%) do candidato que reuniu os votos da esquerda, Ramalho Eanes. Na noite de segunda para terça-feira, já 9 de dezembro, um flash no telex das rádios virou a noite: “John Lennon assassinado à porta de casa em Nova Iorque”. Aquela notícia em um só parágrafo numa linha desmanchou a programação da alta madrugada na rádio (a RDP-Antena 1), num tempo em que a programação ainda não costumava ser flexível para mudar com a atualidade.

A partir daquele momento, 5 e tal da manhã, até a bem entrado o amanhecer, a música na rádio passou a ser dos Beatles. Paulo de Medeiros, então condutor das madrugadas no primeiro canal da rádio pública costumava privilegiar a música portuguesa com perfil mais popular. Mas tinha na mala dos discos o LP Sgt. Pepper’s Lonely Heart Club Band. Aquele “Sargento Pimenta”, de 1967, metido numa capa barroca que juntava meia centena de atores, escritores e músicos (Marilyn Monroe, Fred Astaire, Marlon Brando, Dylan Thomas, Oscar Wilde, Joyce, até Marx e Einstein), com uma trintena de canções aguentou a ilustração musical de conversas até que chegassem outros discos dos Beatles em reforço. Funcionou em pleno a interação entre o animador e o tipo das notícias metido no estúdio. Sucederam-se depoimentos de amantes da banda que nos anteriores 20 anos tinha conduzido a revolução musical que transformou a atmosfera sonora do tempo que vem até hoje, e inspirado muito da revolução cultural que marcou os anos 60, que mudou os costumes, e que deu expressão a sentimentos antes escondidos.

Naquela madrugada havia que percorrer tantas memórias do tempo dos Beatles. Como tudo começou: aquela tarde de 6 de julho de 1957 em que Paul McCartney, com 15 anos de idade, foi à festa de beneficência na paróquia de um bairro pobre de Liverpool; atuava uma banda, The Quarry Man, fundada por John Lennon, então com 16 anos. Nessa tarde, num intervalo, McCartney ensaiou com o grupo, como guitarra solo. Foi o primeiro momento da marca Lennon & McCartney que viria a definir a identidade musical dos Beatles, que apareceriam três anos depois, em 1960, com Lennon, McCartney mais Ringo Starr e George Harrison, também o manager Brian Epstein.

Há uma constante no cenário das bandas musicais dos anos 60 do século XX: quando as outras tentavam compor inspiradas nos Beatles, estes já estavam noutra coisa.

Nos anos finais da década de 60 era evidente que os Beatles já eram uma banda, sempre arrebatadora, mas em decomposição. A dupla Lennon & McCartney que tinha sido o motor da banda, então, com tensa rivalidade entre eles, tinha passado a ser aceleradora da rutura. Lennon, cada vez mais autónomo e libertário, acusava McCartney de compor músicas para as avozinhas.

O ano de 1968, com o maio revolucionário em Paris e em outros lugares, deixou à vista o que os separava. Lennon ficou fascinado com os ideais levantados nos protestos e cantou a revolução em duas versões de Revolution, uma em modo de blues, para um disco, e outra mais rockeira, para um vídeo. Lennon entrou em campanha contra a guerra do Vietnam e por muitas outras causas.

O ano de 1969 começa com a gravação de Abbey Road. Sente-se que é o desejado grande álbum de despedida. Tem no final The End, em que cada Beatle, em dois minutos, protagoniza um solo (um de bateria, três de guitarra). Os versos de The End terminam com “The love you take / is equal to the love you make.” Essa troca de amor antecipa, em beleza, o ponto final. Em março desse 69, em Gibraltar, Lennon casa-se com a artista de vanguarda Yoko Ono. Está por determinar a influência que ela teve no desligamento de Lennon do resto do grupo que surgiu e triunfou naquela década. Lennon ainda gravou com Paul The Ballad of John and Yoko. Um ano depois, a dissolução dos Beatles ficou consumada, anunciada por Paul McCartney em abril de 1970. Cada Beatle foi à sua vida.

A nipoamericana Yoko seduziu Lennon para a ideia de viverem em Nova Iorque. Em 73 compraram casa no mítico Dakota Building, prédio de luxo nova iorquino, arquitetura gótica, construído em 1884 na esquina da rua 72 com Central Park West. Tem 65 apartamentos, cada um com a sua forma, todos diferentes, onde viveram celebridades como Laureen Bacall, Judy Garland, Leonard Bernstein, Rudolf Nureyev e Roberta Flack. Roman Polanski escolheu o Dakota para as filmagens de Rosemary’s Baby, o filme em que Mia Farrow interpreta o papel de uma mulher que ficou grávida do demónio.

Foi à porta do Dakota Building que chegou o fim da vida para John Lennon. Foi na noite de 8 de dezembro de 1980, faz agora 40 anos. O relatório da polícia fixa que às 22h52m, John estava a voltar a casa. Ao subir os degraus da entrada, um fã, no sentido mais fanático, Mark Chapman, chamou-o, “Mister Lennon”, com voz que a polícia refere como suave. John para e olha para trás. Chapman está em posição de tiro, com um revólver de calibre 38 entre as duas mãos. John Lennon não teve tempo para reagir. Chapman disparou cinco balas. Lennon ainda se arrastou até ao átrio, o porteiro apareceu a tentar ampará-lo, mas nada a fazer. A morte de John Lennon, aos 40 anos, seria declarada minutos depois, naquela noite de há 40 anos.

O assassino, Mark Champan, então com 25 anos, agiu em pura loucura. Era um fã absoluto de Lennon. Na tarde do dia em que o matou, Chapman esperou Lennon à porta do Dakota, com um disco Double Fantasy, na mão para que ele o autografasse. Assim aconteceu e trocaram sorrisos. À noite continuou a esperá-lo então com o revólver. Disparou, e depois ficou encostado à parede a continuar a ler The Catcher in the Rye, o mítico Uma Agulha no Palheiro, de J.D. Salinger, livro que foi uma espécie de manifesto daquela geração.

Quando a primeira de muitas patrulhas da polícia apareceu, Chapman entregou-se sem qualquer resistência. Falou aos detetives logo naquela noite. Ficou a saber-se que Chapman projetava sobre Lennon as psicóticas frustrações de que sofria. Contou que sentira que John Lennon, ao ficar rico, traía os ideais de fraternidade.

Chapman foi condenado a prisão perpétua e cumpre a pena numa cadeia de Nova Iorque. Tentou por 11 vezes a liberdade condicional, sempre recusada.

Yoko Ono recusou funeral para John Lennon. Organizou uma cerimónia no vizinho Central Park, no espaço paisagístico que ficou batizado Strawberry Fields, nome inspirado numa música dos Beatles. Juntou-se um mar de gente.

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Estes retratos de Gaza.

Imagens que ficam da semana que passou.

Os franceses souberam respeitar o recolher obrigatório quando foi fixado para as 9 da noite. Conseguiram melhorar resultados.

O rosto de três jornais de Madrid neste 30 de novembro: este, este e este. Também esta imagem de um milagre.