Naquele tempo, ainda não havia Internet em minha casa. Ou melhor, haver, até havia. Mas fazia uns ruídos estranhos durante um bom bocado, impedia chamadas naqueles estranhos telefones com fios que havia em todas as casas e demorava aproximadamente uma semana e meia a mostrar a primeira página de um jornal, que finalmente lá aparecia cheia de texto com partes sublinhadas a azul e espaços onde as imagens estariam se tivéssemos outra semana para esperar.

Ora, nesse ano ali a caminho do fim do século XX, andava eu na escola secundária. Na disciplina de História, calhou-me na rifa fazer um trabalho de grupo longo, para apresentar à turma, sobre o 25 de Abril. O grupo era eu e a Isabel.

Tínhamos algum material na biblioteca da escola, nos livros de casa, nos apontamentos das aulas, nos manuais da escola. Mas queríamos mais. Queríamos fotos novas, vídeos, acesso aos jornais da época. Não tínhamos nada disso ali por perto. Não era bom haver uma maneira de conseguir chegar a todos esses materiais facilmente? Ainda me pus a brincar um pouco na tal Internet, mas o Altavista não era pródigo em informações sobre revoluções em obscuros países do Sul da Europa. Ah, e a minha mãe tinha de fazer um telefonema. Desliguei o computador.

Andámos a pedir ajuda a familiares (o trabalho era mesmo importante). A Isabel perguntou a duas primas que trabalhavam em Lisboa se podiam ajudar. Elas disseram-lhe que havia agora um sistema novo, com muitas informações sobre Portugal. Se quiséssemos, podíamos ir com elas ao Instituto Superior Técnico, onde elas eram investigadoras, para podermos consultar a Internet a espantosas velocidades. Teríamos tudo o que queríamos à mão!

Só podíamos ir no fim-de-semana. Foi assim que, num sábado dos finais do século passado, entrámos no autocarro, os dois, para ir à Internet. Ficámos de ir ter com as primas à Avenida de Berna, que viria a ser um dos lugares da minha vida. Na altura, pela primeira vez em Lisboa sem pais ou professores, ficámos um pouco perdidos. Não tínhamos Google Maps no bolso. Nem sequer tínhamos telemóvel! Ali perto do Campo Pequeno, enfiámo-nos por uma avenida qualquer e perguntámos à primeira pessoa que encontrámos onde era a tal Avenida de Berna. O homem olhou-nos com ar desconfiado e apontou em redor: «é aqui!».

Na avenida certa, encontrámos as duas primas, que nos levaram de carro até ao Instituto Superior Técnico. Era sábado. A sala dos computadores onde elas trabalhavam estava fechada e não havia ninguém por ali, mas elas tinham uma chave. Sentimo-nos numa aventura, a entrar clandestinamente num edifício do futuro para acedermos a um qualquer segredo.

Lá dentro, felizes por ajudarem dois adolescentes deslumbrados com as maravilhas da tecnologia que elas usavam todos os dias, as primas da minha amiga ligaram um dos muitos computadores e o ecrã de grande traseiro. Uma delas começou a escrever depressa, qual hacker de série americana, a entrar naquilo que nos filmes se chamava, por esses anos, ciberespaço.
Nós esperávamos, em silêncio. Foi então que ela apontou, a sorrir, para o ecrã. Ali estava a solução para os nossos problemas: o SAPO. Foi então que decidi, ali mesmo, que muitos anos depois, quando já fosse pai e tivesse a Internet em casa, iria contar aquela história para ser publicada naquela página.

Mentira: não prometi nada. Não fazia ideia de que o tal Sapo, já com menos maiúsculas, viria a fazer parte do quotidiano de uma grande parte dos portugueses. Naquela sala do IST, seria uma loucura imaginar que em 2020 aquela página ainda existiria. Tanto quanto sabíamos, a Internet poderia desaparecer em poucos anos…

O certo é que, nesse dia, o SAPO resolveu o problema: tinha muitas ligações ao Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra, com fotografias, recortes de jornal, vídeos e textos. Tinha até a colecção do Diário da República de 1974, que nos surpreendeu com aquela estranha mistura de respeito e revolução: o Presidente do Conselho era exonerado com os títulos académicos correctos e o nome completo.

Durante algumas horas, passeámos pelo SAPO, imprimimos muita coisa, saímos de lá com material a sobrar, guardado numa pasta que levámos no autocarro de regresso.

Talvez as primas da minha amiga pudessem ter dito o endereço da página e, com alguma paciência, chegássemos às mesmas informações na paleolítica Internet de casa — mas imagino que não confiassem na capacidade de dois adolescentes para manejar tal ferramenta avançada. Não faz mal: nunca mais me esqueci dessa viagem.

Foi assim que fui de autocarro à Internet para me encontrar com um simpático sapo, que me ajudou numa aflição — e o certo é que nunca mais deixei de ouvir falar desse pequeno animal sabichão.

Parabéns, caríssimo Sapo!

Marco Neves | Professor e tradutor. Escreve sobre línguas e outras viagens na página Certas Palavras. O seu livro mais recente é Pontuação em Português.