(1) Violência e (2) telejornais

Quem ligar a televisão agora mesmo num dos canais de notícias dirá que estou louco, mas a verdade é que a violência, no mundo, até tem diminuído. São menos homicídios, menos guerras e até (não, eu não estou louco) menos terrorismo, pelo menos em comparação com o mundo dos anos 70.

Então donde vem essa ideia de que o mundo está mais violento? Enfim, talvez passemos demasiado tempo a ver telejornais... Quando somos invadidos por todas as notícias do mundo a todo o momento, não há análise desapaixonada que sobreviva: o que temos é um maremoto de guerras, terramotos, assassínios e tudo o mais. As estatísticas — as estatísticas não interessam.

Depois, admito: mesmo a diminuir, a violência que existe é horrível e não estamos nada perto de estar bem. E é verdade: se o terrorismo diminuiu quando olhamos para os números à escala das décadas, os últimos dois ou três anos não auguram nada de bom...

A (3) guerra depois do (4) espirro 

Sim, a violência tem diminuído. Mas — e este é o «mas» mais importante deste mundo — o facto de o mundo estar menos violento não quer dizer que esteja menos perigoso. A história dos séculos anteriores ao século XX era pontuada por uma miríade de pequenas guerras de todos os tipos. Essas guerras matavam, constantemente, muita gente. O século XX, esse, foi menos violento do que o costume — se desviarmos os olhos desses dois tremendos picos que são as duas grandes guerras. Ou seja, o mundo acalmou durante a maior parte do tempo, mas, de forma cada vez mais espaçada, é abalado por tempestades cada vez mais violentas.

A qualquer momento, podemos ser lançados num horrível mundo novo, em que tudo o que temos e sabemos vale pouco ou nada. É muito mais fácil do que pensamos chegar a esse horrível mundo novo. Um espirro dum líder coreano, uma má-disposição dum general ali para os lados do Báltico... — ou, o que é mais provável, uma qualquer sequência de eventos que, pela própria natureza do tempo, não podemos adivinhar.

Todos sabemos o que acontece quando explodem bombas nucleares e é difícil de acreditar que alguém com um pingo de racionalidade no seu corpo dê a ordem para acabar com o mundo — mas, na verdade, uma vez começada uma guerra, com os seus rufares de tambores e com seu tribalismo irreprimível, difícil é não carregar no botão. E, pum, com um pouco de fumo acaba-se tudo — e o mundo lá continuará, alguns séculos depois, já sem homens, mulheres e crianças. Será um mundo bem mais calmo e pacífico — mas sem ninguém para o cantar, esse mundo não me interessa assim tanto.

O (5) futuro e a (6) repetição

Passamos o tempo a queixarmo-nos de tudo que nos esquecemos disto: o mundo em que vivemos pode acabar e isso não é bom. Muitos perderíamos a vida — mas mesmo os poucos que sobrevivessem viveriam então num mundo para o qual não foram preparados, sem nada daquilo que hoje nos enfastia, mas que nos faz muita falta. Seria um mundo sujo, feio e mau — bem pior do que o actual, por pior que o nosso mundo seja.

Depois, devagar, talvez alguma coisa de novo começasse. Alguns, com fome de dilúvios, dizem por aí que esse seria um mundo renovado, com seres humanos bem mais humildes e sábios. Sinceramente, não me parece. O mundo começaria de novo, mas nós, estranha espécie, teríamos aprendido muito pouco. Se alguns seres humanos sobrevivessem, mais cedo ou mais tarde voltaríamos ao mesmo. Por isso, mais vale tentar salvar este mundo que parece tão mau e fazer tudo para que isto não rebente — sem esquecer que, devagar, podemos depois melhorar o mundo. (Sim, isto tem alguma coisa a ver com as eleições francesas.)

(7) Conversar até ao fim do mundo

Ah, enquanto o fim do mundo não vem, podemos ler. E podemos ler sobre esta tensão entre os que se apercebem da invisível diminuição da violência e aqueles que não ficam descansados com isso. Assim, proponho-vos um pequeno livro que parece, à superfície, mais uma daquelas cansativas discussões entre optimistas e pessimistas e, no entanto, é algo muito mais divertido e perturbante. Falo do livro Do Humankind’s Best Days Lie Ahead?, a transcrição dum debate entre Steven Pinker e Matt Ridley — do lado dos mais optimistas — e Alain de Botton e Malcolm Gladwell — do lado dos mais preocupados.

Encontrei o livro numa papelaria e li-o num sopro. Se o leitor resistir à tentação de ler o livro à procura de clube, terá uma grande surpresa. Enquanto o mundo não acaba, há maneiras piores de passar o tempo... 

Marco Neves | Autor do blogue Certas Palavras. Publicou em Janeiro o seu segundo livro, com o título A Incrível História Secreta da Língua Portuguesa (Guerra e Paz). É tradutor na Eurologos e professor na Universidade Nova de Lisboa.