As notícias mudam constantemente, sempre de mal a pior. Há até uma questão bizantina a correr pelas redes – e certamente em muitas redacções desse mundo fora – que é se os jornalistas estão a ser eficientes noticiando tão minuciosamente, ou então estão a ser sensacionalistas, multiplicando o medo das pessoas. Mas esta montanha russa que só sobe dá uma sensação terrível de perigo iminente. “Ainda não chegou, mas vai chegar!”

A posição das “autoridades” – Governo, a estrutura sanitária e, até, as forças policiais – tem sido diferente nos países europeus, mas todos navegam à vista. Há os especialistas, médicos e cientistas, que conseguem explicar como funciona o vírus, mas reconhecem que uma vacina está a um ano de distância e que não há equipamentos suficientes caso a epidemia atinja um certo nível. Qual é esse “nível”, não se sabe, realmente. Nem as autoridades e os especialistas, nem, evidentemente os cidadãos comuns. Estes, para quem um estado de sítio preocupa mais por razões monetárias do que sanitárias. Quer dizer “Se não vou trabalhar, então não recebo?” A ideia de morrer, ou sofrer umas semanas ligado à máquina, parece menos ameaçadora do que ficar sem dinheiro para comer. Há também os que têm que pagar o que os outros recebem, e esses, se forem pequenos empresários de negócios que vão parar – restaurantes, hotéis, coisas não essenciais ou frívolas — também não fizeram contas ainda à ajuda oficial ou alívio bancário que possa vir a ter lugar. E num clima depressivo, as pessoas, mesmo que possam, sentem-se pouco inclinadas a comprar coisas de que não precisam.

As velhas explicações políticas/ideológicas não funcionam. Não pode ser culpa do capitalismo, porque a China é comunista; nem do comunismo, porque o modelo chinês é capitalista. A culpa é do neo-liberalismo, certamente... Não faltam, é claro, as inevitáveis teorias da conspiração; que o vírus foi fabricado por um laboratório secreto inglês, ou como uma experiência americana, ou por um conluio da indústria farmacêutica.

Estamos então neste crescendo para o desconhecido. E aí vêm ao de cima histórias de outras epidemias, aterradoras. Gripe espanhola, 50 milhões de mortos. Há um século, exactamente. Contudo, o problema do nosso tempo parece mais económico do que sanitário – tanto para as pessoas como para sectores de negócio inteiros. As companhias de aviação, por exemplo, que sempre foram negócios complicados, estão a calcular as perdas em 101 mil milhões de dólares – valor de hoje, amanhã já será outro maior. Está à vista que algumas companhias podem falir, mas todas com certeza farão despedimentos. Por enquanto os aviões estão a voar, vazios, por causa duma lei bizantina da IATA que estipula que se não fizerem a viagem, perdem o “slot”, ou seja, o direito de fazê-la no futuro. Na indústria hoteleira e nos negócios relacionados com turismo e viagens, o prejuízo também já está a correr. As pessoas estão a evitar sair, ou estão a sair menos. Sem querer admitir que é por medo da epidemia, mas de repente sentem menos vontade de ir jantar fora, ou ficar à conversa na “cafetaria” (esta designação vai desde as tascas aos novos estabelecimentos decorados de branco e madeira que são uma espécie de leitarias pós-modernas).

E, agora, começam a fechar escolas, o que levanta outra série de problemas – onde ficam as crianças, por onde andam os adolescentes.

Por outro lado, o comportamento de certas pessoas, aqui e um pouco por toda a parte, deixa dúvidas quando à sanidade e civilidade do comportamento séculos depois da ignorante Idade Média: o papel higiénico esgota na Austrália; a cerveja Corona teve quebras nas vendas; as lojas chinesas são atacadas (uma de pedrada, em Alvalade) e os orientais maltratados em Londres. Ainda não estamos no auge da crise e já há sinais de imbecilidade e pânico.

Do lado dos governos – do nosso, inclusive – e independentemente da cor política, o problema é o que fazer para conter a epidemia, o que implica medidas muito visíveis, sem ao mesmo tempo alarmar a população. Nem todos têm resolvido esta equação da mesma maneira.

O governo italiano, por exemplo, está a enfrentar a situação com medidas drásticas – isolamento do país inteiro – sabendo talvez que será muito difícil impedir os italianos de socializar às escondidas. Mas ver completamente vazia a praça central de Milão (que tem a Catedral e a Galeria Vittorio Emanuel), com dois ou três polícias de máscara e metralhadora, é uma imagem que remete à II Guerra Mundial, ou sugere um filme distópico.

Já o governo americano, começou por desvalorizar a situação, uma vez que Trump não queria que uma epidemia lhe diminuísse a votação nas eleições. Depois de contornar a situação com as habituais afirmações descabeladas, acabou por assumir que havia um problema quando viu a bolsa de Nova Iorque cair de tal maneira que teve de fechar as licitações. Colocou então o vice-Presidente à frente de uma “força tarefa” encarregada de resolver as situações, grandes e pequenas, que possam aparecer e reafirmou que o país – quer dizer, ele – está à altura da situação; uma afirmação nada tranquilizadora para os milhões de americanos cujo maior problema é não terem cobertura de saúde; o país não tem um SNS como os países europeus e a China, e o preço dum seguro de saúde é proibitivo. Por alguma razão, os Estados Unidos acham que a primeira solução para o problema é ter “kits de teste” para o vírus.

(Nos países europeus esta questão não parece preocupar ninguém, nem os governantes nem os cidadãos – embora em Portugal haja persistentes informações de que não estão disponíveis no SNS e no privado custam 200 euros.)

Estão a ser produzidos à pressa, mas os primeiros não funcionavam, e os segundos vão ser, para começar, quatro milhões, um número muito pequeno para uma população de 330 milhões. Algumas cidades atingidas fazem pensar no pior – como é o caso da Área Metropolitana de Nova Iorque, com milhões de habitantes e visitantes (dois milhões de não residentes por mês, antes da crise) todos empilhados num pequeno território. Se o governo Trump não conseguir lidar com a situação com a mesma eficiência do que os chineses – mesmo levando em conta que a China é um estado policial, com poder de confinação ilimitado – será um rude golpe no prestígio do Presidente e reforçará o assustador facto de que os Estados Unidos também não são os primeiros do mundo numa área tão crucial como o sistema sanitário.

Finalmente, na quarta-feira, quando já havia mais de mil casos nos EUA e os especialistas reconheciam que ia piorar, o Presidente falou ao país pela televisão. Aliás, leu um texto no teleprompter, reconhecendo que a situação poderá ser grave – mas não será, graças à sua eficiência a resolver o problema. As soluções são um misto de medidas económicas e interesse político, com pouco espaço para as soluções sanitárias. Por exemplo, proibiu os voos com os países do espaço Schengen, deixando assim de fora, por razões que não se percebem, a Irlanda e o Reino Unido (países que o “Boston Globe” lembrou, maliciosamente, que ele tem campos de golfe...). Disse que tinha acertado com as companhias de seguros que estas cobrirão os testes para toda a gente e também os tratamentos (que continuarão a não cobrir, soube-se depois); e prometeu que em breve haverá vacinas e tratamentos disponíveis, o que é desmentido por todos os especialistas.

Em Portugal a abordagem estatal é, como seria de esperar, completamente diferente. As autoridades estão atentas, mas sabem que não são providenciais.

A Ministra da Saúde, Marta Temido, e a Directora Geral de Saúde, Graça Freitas, parece que estão a navegar com peso e medida – o que seria impossível de reconhecer pelos portugueses, sempre críticos e desconfiados, faça o Governo o de mais ou de menos. A situação tem pior aspecto porque as duas têm uma dificuldade em comunicar que prejudica a confiança que precisam de inspirar. Até talvez estejam a dizer o que precisa de ser dito, mas não conseguem afastar um sentimento de desconfiança na eficiência da resposta adequada.

Contudo, algumas situações parecem inescapáveis: como a propagação do coronavírus é desigual de país para país – uns estão em crise total, outros em recessão, e noutros ainda não chegou – os especialistas garantem que saltará dum lado para o outro e nunca se extinguirá. Como as epidemias de piolhos nas escolas, que vão passando de cabelos já tratados para cabelos ainda por tratar e nunca mais desaparecem da população como um todo. Outro, é a crise económica. Ninguém tem pena dos especuladores que estão a perder milhões por dia em Wall Street ou Tóquio, mas essas perdas reflectem-se no fim da linha em menos emprego. Vai levar anos, mesmo depois da pandemia debelada, para recompor o sistema.

Há uma conversa na legendária série “Sim, senhor ministro” em que dois funcionários trocam conselhos: Diz um: “Na primeira fase, dizemos que não vai acontecer nada.” Diz o outro: “Na segunda fase, dizemos que talvez vá acontecer alguma coisa, mas não devemos fazer nada quanto a isso.” E a conversa continua: “Na terceira fase, dizemos que talvez devêssemos fazer alguma coisa, mas não há nada que possamos fazer.” “Na quarta fase dizemos que talvez pudéssemos ter feito alguma coisa, mas agora é tarde de mais.”

Agora, parece tremendamente premonitória.

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