Na aldeia onde tenho o hábito de passar uma parte do Verão, fecharam dois restaurantes, o salão de jogos, o bar da aldeia no qual se dançava e a discoteca. Nunca vivi um Verão aqui em que não se dançasse até às tantas, este é o primeiro. Não sei se alguma vez voltaremos a dançar como o fizemos durante estes anos todos. Sei que, apesar de todos os cuidados, não vou conseguir deixar de abraçar as pessoas que amo, aquelas que são as minhas pessoas. Sim, tenho o maior respeito – e algum receio – pelo vírus, mas a vida tem de se fazer e o isolamento não nos beneficia em nada.

Conheço quem ainda agora escolha viver numa certa reclusão e interrogo-me sobre o que a solidão fará, que malhas depressivas pode tecer, que receios acumulados. Numa sociedade cada vez mais virada para um certo individualismo, a verdade é que a pandemia só veio agravar o estado das coisas e sem a partilha, sem os amores de Verão, a música que está a dar agora e que nos faz dançar, tudo é mais triste, tudo é menos esperançoso. Seria, porventura, de esperar um boom na compra de livros. Eu sou uma crente, tenho sempre a ideia de que as pessoas se refugiam no mesmo que eu, boas histórias, mas não é o caso. Ontem desci até à praia, era o meu tipo de dia, nublado, sem sol a bater, e as pessoas que estavam não miravam as ondas a bater, não dormitavam, não liam o livro novo de Tânia Ganho, Apneia, uma belíssima ficção, nem a pesquisa jornalística extraordinária de Miguel Carvalho que deu o livro Amália, Ditadura e Revolução – a história secreta. Não liam o belo livro de poemas de Nuno Júdice, Regresso a um Cenário Campestre, não estavam sequer com o último Daniel Silva a viver as aventuras de Gabriel Allon. Estava tudo agarrado ao telemóvel.

Eu, na minha idiota crença na humanidade e na Literatura, berrei dentro de mim: malta, por favor, larguem essa bodega e leiam. Depois respirei fundo e atravessei a aldeia de novo, a ver as portas dos estabelecimentos comerciais fechadas, a perceber que logo à noite ninguém dançará. E imaginei as pessoas que não se atrevem ainda a viver, dentro de casa, agarradas a um telemóvel ou computador e não consegui sorrir o resto do dia. É Verão, já sei, mas os dias são tristes.