Os artistas são uns piegas, todos sabemos. Fingem que choram em troca de aplausos e agora deitam lágrimas verdadeiras em busca de ajudas do Estado. O problema começa no facto de termos artistas a mais, tanto que Portugal é conhecido lá fora pelo excesso de arte e cultura que tem, algo patente no ditado “Em Portugal é um café e um Saramago em cada esquina.” Como há muitos artistas, não é possível apoiar todos, mesmo com um Ministério da Cultura tão competente e empenhado quanto o nosso. Por isso, os artistas vão ter de deixar de ser piegas e reinventar-se, até porque se estão a passar dificuldades é porque andaram a gastar o dinheiro todo em noites de copos, drogas e sapatos. A ideia não é minha, não quero crédito por ela, a ideia é da jornalista/comentadora de vidas alheias, Joana Latino, que disse que o Bruno Nogueira devia servir de exemplo a todos os artistas que se queixam em vez de criarem algo. Concordo, a mim serviu de exemplo para não fazer lives só para não passar pela vergonha de ter uma ínfima fracção dos espectadores que ele tinha. Os artistas têm de se reinventar e se o live não pega e não der para pagar fruta e frescos no supermercado com visualizações, têm de fazer um pivot na carreira.

No fundo, a Joana Latino estava a dizer que os artistas devem bater punho. Por falar nisso, haveria muitas actrizes que podiam fazer bom dinheiro se levassem esse mote à letra. No fundo, o que a Joana estava a dizer é que uma mulher só passa fome se quiser, especialmente se for uma cara conhecida. Há sempre alguém disposto a investir na nova carreira e na sua reinvenção como cam girl para respeitar as normas de distanciamento social. Um Patreon ou Only Fans também é viável para todas as actrizes que ainda não tenham seguidores suficientes para se reinventarem como influencers que promovem cremes e cupões da Prozis enquanto as gravações das novelas estão paradas.

Reinventem-se! Os escultores podem virar trolhas. Os artistas plásticos podem ir dar aulas de EVT. O Agir abre uma loja de tatuagens e a Deslandes vai trabalhar para o Celeiro vender Depuralina.  Os técnicos de luz podem ir trabalhar o AKI e os de som para a Worten. Os coreógrafos podem dar aulas de Zumba no Zoom e os maquilhadores podem virar vloggers de makeup. É todo um mundo cheio de oportunidades porque ter likes, views e fazer disso dinheiro está ao alcance de todos. Os que trabalham das 9 as 6 num trabalho de que não gostam é que são burros e não se sabem reinventar. Reinventem-se!

Para os mais distraídos, estava a fazer uso de uma figura de estilo chamada ironia. É óbvio que Portugal não abunda em artes e que o Ministério da Cultura parece tão faz de conta que mais valia chamarem a Regina Duarte, que agora ficou livre de clube; ao menos sempre nos ríamos um bocado. Sim, há artistas subsídio-dependentes e muitos dos apoios vão sempre para os mesmos que continuam a produzir coisas que ninguém quer ver, é um facto, mas colocar todos no mesmo saco não é honesto até porque a área artística é muito mais do que artistas; diria, até, que é mais o resto: os técnicos, produtores, promotores, etc., que não dão a cara e que, por isso, é mais complicado reinventarem-se até porque se fizerem um live no Instagram ninguém quer ver, um bocado o que acontece também com alguns artistas.

Mais do que dar dinheiro, é preciso um plano para recuperar. Talvez aqueles milhões investidos em compra de publicidade aos meios de comunicação possam ser usados para depois promover eventos artísticos e culturais sem custos para que não falte público por falta de conhecimento. Talvez seja possível dar vales ao público que apenas podem ser gastos em cultura para que a crise que todos vão sofrer e a diminuição do poder de compra não impacte tanto as artes e espectáculos. Era bom para todos não termos de decidir entre comprar pão e comprar um bilhete de cinema.

Não sei que importância deve ser atribuída à cultura face a outras áreas. Nem me interessa entrar em medições penianas de qual o trabalho, artístico ou não, que tem mais importância. Sempre achei mais importante um baile pimba e uma barraca de farturas numa festa cheia em pleno Agosto que junta famílias inteiras e artistas locais, bimbos ou não, do que um bailado clássico da Chechénia num teatro Lisboeta com 10 pessoas na audiência que enrolam o bigode e comentam “Bravo”.

A Joana Latino é apenas o bode expiatório da revolta de um sector esquecido há muito em Portugal, mas é irónico que alguém que diz que os artistas devem reinventar-se em vez de se queixarem, seja alguém que trabalha em televisão e jornalismo, dois dos meios que mais têm vindo a morrer aos poucos e que teimam em não se reinventar e que pedem muitos apoios ao Estado nesta altura. Talvez estejamos a ser duros com ela, pode ter sido só um desabafo e algo dito sem pensar até porque o cérebro estará a dormir quando se faz um programa como o Passadeira Vermelha. Acredito que ela não tenha dito aquilo com a intenção que passou, embora possa estar a ter demasiada esperança em alguém que achava que motins no Reino Unido de 2011 foram causados pela pandemia de 2020. Agora que penso nisso, a Joana é um excelente exemplo, porque ao perceber as suas falhas como jornalista decidiu reinventar-se como comentadora da vida dos outros em programas de merda.

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