Há quem ache que o Presidente dos Estados Unidos deveria ser eleito por votação mundial, uma vez que a escolha afeta, direta ou indiretamente todos os habitantes do planeta, amigos, inimigos, ou sem opinião. Mas, evidentemente, esta hipótese é puramente lírica.
O Dono Disto Tudo será escolhido por 161,4 milhões de votantes, que depois serão representados pelos 538 eleitores (participantes nos colégios eleitorais de cada Estado), cuja maioria determina quem será o Presidente.
Portanto, o homem que tem algum tipo de influência na vida de oito mil milhões de pessoas é escolhido por 0,00000020%. Pior ainda, cerca de metade desses eleitores (estamos a especular) não tem a mínima ideia das grandes e pequenas questões que envolvem o cargo, nem dos efeitos que pode ter - ou mais pior ainda, têm ideias surreais do que é importante para o seu país e para o mundo.
Postas estas considerações gerais - filosóficas, poderíamos dizer - vamos descer à realidade do que temos pela frente. Embora a eleição seja daqui a mais de um ano, já temos elementos suficientes para calcular o resultado e começar a afligir-nos com antecedência...
Os candidatos dos únicos dois partidos que têm hipóteses de ganhar (há centenas de partidos nos Estados Unidos, mas não têm expressão nacional, sobretudo por falta de fundos), são escolhidos nas respetivas convenções.
A convenção do Partido Democrático será a 19 de agosto de 2024, em Chicago, e não há dúvidas de que o candidato escolhido seja Joe Biden. Embora haja questões quanto ao seu estado mental (dizem que está um pouco gagá, e, caso seja eleito, terminará o próximo mandato com 85 anos), não há outros pretendentes credíveis. Quer dizer, há dois que se chegaram à frente: Mariane Williamson, que foi conselheira espiritual de Oprah Winfrey, e Robert F. Kennedy Jr, que é sobrinho do falecido homónimo e antivacinação. Ou seja, ninguém.
Biden é um homem razoável, que aposta em consensos e, mesmo que tenha de tomar decisões discutíveis em casos bicudos, a opinião geral é de que manterá a ordem mundial dentro do bom senso - dentro do ponto de vista norte-americano, evidentemente, que é o ponto de vista que interessa à Europa.
A convenção do Partido Republicano será antes, a 15-18 de agosto, em Milwaukee, e é outra história, completamente diferente.
Até à data, há treze candidatos, o que faz imaginar um cenário semelhante à convenção de 2016, em que se apresentaram dezassete candidatos - o maior número na História do país.
Hoje, sete anos depois, considera-se que essa proliferação de concorrentes foi um fator determinante para a escolha do menos provável, Donald Trump - nessa altura ainda pouco se sabia sobre ele, além de que tinha sido anfitrião de um programa de televisão de grande audiência, o “The Apprentice”, e que era um homem de negócios de reputação duvidosa.
Apresentaram-se candidatos com experiência política e/ou uma imagem relativamente estabelecida, como Ted Cruz, Mark Rubio, John Kasich, Rand Paul e Mike Huckabee, todos eles bem batidos em debates e com ideias concretas (muito conservadoras) quanto às políticas que seguiriam caso fossem eleitos. Pois bem, foram completamente esmagados por Trump, que mostrou uma personalidade combativa e apresentou propostas genéricas que agradaram ao eleitorado menos informado, que se resumiam no slogan “Make America Great Again”.
Trump foi escolhido nessa convenção e depois eleito Presidente contra a democrata Hillary Clinton - não precisamos aqui relembrar uma história que toda a gente jamais esquecerá. Também não vamos elaborar sobre o que foi a presidência Trump, catastrófica para o país e para o mundo, seja qual for o ângulo por que se veja. Mas o mais interessante - se se pode usar esta palavra para definir uma aberração - foi a popularidade extraordinária e persistente que Trump conseguiu junto de um eleitorado de cerca de 50% dos votantes.
São os mais pobres, os mais excluídos, os antissistema, os racistas e sexistas, neofascistas, ignorantes e crédulos nas teorias mais esdrúxulas que formam uma base de apoio inabalável.
Como o próprio Donald disse, “eu podia matar uma pessoa, que não perderia eleitores”. Também podia - e pôde - violar uma mulher, andar com uma prostituta e pagar-lhe para se calar, e, em geral, exibir um narcisismo mórbido clinicamente diagnosticado, sem que esses pormenores da sua personalidade o fizessem perder eleitores. No domínio público, isto é, no exercício do seu cargo, fez disparates e cometeu erros que foram desde a escolha de colaboradores surreais (lembram-se da Omarosa?), “operadores” desonestos (Paul Manafort) e reacionários sinistros (Steve Bannon) - a lista de personagens é extensa -, até desautorizar os seus próprios serviços de segurança perante o inimigo (conversa com Putin), fazer amizade com dirigentes aberrantes como Kim Jong-Un ou Mohammed bin Salman, desautorizar a NATO e os aliados dos Estados Unidos, retirar precipitadamente do Afeganistão, deixando os aliados americanos à morte, cancelar o acordo nuclear com o Irão, e tantas outras atitudes inacreditáveis. Finalmente, ao ser derrotado nas eleições de 2020, incentivou uma rebelião para perverter a Constituição e manter-se no poder.
Apesar de tudo isto - e abreviamos a lista - Donald Trump continua a ser o candidato republicano com mais possibilidades de ser escolhido para a eleição de 2024. E chegamos ao cenário atual, com treze candidatos à convenção do Partido Republicano - uma dispersão semelhante à que lhe deu a nomeação em 2016.
Dos treze, de longe o mais prometedor é Trump. Convém aqui lembrar que a Constituição não proíbe (é omissa) a hipótese de um candidato ter sido condenado civil ou criminalmente, pelo que os 37 processos que correm contra ele não o impedem de concorrer e ganhar.
Segue-se o antigo vice-Presidente Mike Pence, um evangélico extremamente conservador, que se notabilizou por ignorar todos os disparates de Trump, mantendo um sorriso beatífico enquanto o circo pegava fogo, inclusive quando na insurreição ao Capitólio a turbamulta exigia que fosse enforcado. A única coisa que disse contra o chefe foi que o ataque colocou a sua família em perigo... Agora vai contra ele numa plataforma antiaborto, anti-LBGT e as suas probabilidades são nulas.
Outro candidato é o ex-governador da Nova Jérsia, Chris Christie, que já foi aliado de Trump e se virou contra ele depois da insurreição de 6 de janeiro. Disse que “se concorrer à eleição, vou torná-la interessante!” Não é um mau slogan…
Mais nomes: o empreendedor de biotecnologia Vivek Ramaswamy, de 37 anos, o ex-governador do Arkansas, Asa Hutchinson, Larry Elder, radialista da direita radical, o senador Tim Scott, o multimilionário governador do Dakota, Doug Burgum, o pastorevangélico texano Ryan Binkley, o empresário Perry Johnson, o presidente da câmara de Miami, Francis Suarez. Nikki Haley, ex-governadora da Carolina do Sul, que ficou conhecida como embaixadora dos Estados Unidos na ONU.
Não damos pormenores sobre esta plêiade porque não há pormenores a dar. Concorrem por ego, talvez por estarem convencidos de que podem fazer uma diferença, mas concorrem apenas para concorrer e espalhar os votos dos eleitores, o que decerto favorece o Donald.
Finalmente, o único que tem alguma hipótese - remota, acredita-se - de bater Trump: Ron de Santis, o Governador da Florida. Tem a favor ser mais novo - 44 anos - e mais coerente. Enquanto Trump é um ego inflamado que defende causas conservadoras só para chatear toda a gente que não pensa como ele, de Santis é um ego inflamado que pensa, e defende as causas conservadoras porque realmente acredita nelas. Tem atacado com eficiência os grupos LGBT, a admissão do passado racista do país, os livros escolares que levantam questões “incómodas”, a restrição ao porte irrestrito de armas, os sindicatos, os grupos cívicos “socialistas” (leia-se: não abertamente capitalistas), a segurança social e os programas de ajuda aos mais pobres, e todas as causas que identificamos com a extrema-direita. Não tem experiência em política internacional, mas já disse que não vai gastar dinheiro a defender a Ucrânia nem em programas humanitários no estrangeiro.
Numa sondagem recente, 65% dos inquiridos acham que Biden está velho demais para ser Presidente e entre os eleitores republicanos 61% são a favor de Trump e 32% pró de Santis. Ainda haverá milhares de sondagens até às eleições, mas estamos convencidos que estes valores não irão variar significativamente. Quer dizer: há uma enorme probabilidade de o gnomo cor de laranja voltar a ser o Dono Disto Tudo.
Dado o seu histórico na primeira presidência, mais os ressentimentos que entretanto acumulou e as vinganças que prometeu, a ideia de Donald Trump ser presidente dos Estados Unidos em 2025 é o equivalente a um meteoro gigante colidir com o planeta: a vida, tal como a conhecemos, será extinta.
Resta esperar que entretanto as viagens para outro planeta já sejam acessíveis.
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