O ano de 2020 começou com um exercício de nostalgia de 2003. Qassem Soleimani, general iraniano, foi morto a 3 de fevereiro num ataque ordenado por Washington. Por Washington, não. Pelos americanos. Isto de culpar cidades em matérias geopolíticas tem de acabar. Trata-se de uma tremenda injustiça para com as urbes. Mas enfim, nesse dia de repente senti-me no início da invasão do Iraque, em Março de 2003, com 8 anos de idade, a mudar de canal da Disney Channel para a SIC, para ver os clarões laranja em Bagdade e a Maria João Ruela em pânico a narrar os acontecimentos. Bons tempos.

Foi um exercício nostálgico que, passado uns dias, revela-se nada mais do que bacoco. O mundo em 2003 era muito diferente. O mundo em 2003 era um mundo em que os Estados Unidos, na altura governados por um criminoso de guerra que agora até é considerado um presidente queridinho, conseguiram convencer parte da comunidade internacional de que Saddam Hussein escondia armas daquelas muito grandes e perigosas. O mundo em 2020 é um mundo em que os Estados Unidos admitem, nove dias depois do ataque, que na verdade não tinham qualquer prova de que Qassem Soleimani pudesse estar a planear ataques a embaixadas norte-americanas. Parece claro que perderam o talento para convencer o Ocidente a destruir a vida de uma geração num país estrangeiro.

Ou talvez não seja porque perderam o jeito para persuadir o Mundo a ir para guerra ao lado deles. É possível que não achem necessário construir uma narrativa que legitime jogar o jogo de tabuleiro “Risco” como lhes apetece. Na verdade, o conceito de legitimidade morreu para os americanos em Novembro de 2016. Trump tuitou nesta segunda-feira que o facto de não existir intelligence suficiente que provasse que Soleimani constituía uma ameaça iminente “não é bem o que interessa”. No fundo, entramos na fase da estratégia militar do “porque sim”. Mas lá está, Trump nunca deveu muito à intelligence.

Vamos continuar a acompanhar a situação. Não é difícil, hoje há mais pseudo-especialistas em geopolítica (como o que vos escreve aqui) do que malta apta para combater em infantaria. Vamos continuar a ouvir que “só há dois cenários possíveis” e que um deles será, possivelmente, uma “escalada de violência” — um desporto demasiado radical. É possível que também seja referida a possibilidade de uma “resposta musculada” — ao invés de respostas que se inscreveram no Fitness Hut no mesmo dia do assassinato e ainda lá não puseram os pés.

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