É a partir desta premissa que devemos analisar o caso da senhora que diz ter sido agredida por um agente da Polícia de Segurança Pública (PSP), há cerca de uma semana, na zona da Amadora. Depois de uma confusão gerada dentro de um autocarro, onde seguia com uma filha menor de idade, foi imobilizada e levada num carro-patrulha. Dentro do veículo alega ter sido vítima de agressões e insultos racistas.

Todos vimos, repetidamente, os ferimentos na cara da mulher. As versões dos dois lados da história também se multiplicaram na imprensa e nas redes sociais. A juntar a tudo isto surgiu um “sindicato”, com motivações pouco claras, a fazer ruído em torno do caso. Algumas associações da sociedade civil fizeram o mesmo, antecipando-se a qualquer análise mais objetiva, fundamentada em factos. Também houve políticos a vir a terreiro, os que nestas ocasiões apanham boleia da desgraça alheia e usam-na para gritarem o que acham que as pessoas querem ouvir, agradando-lhes o descontentamento. Dizem mal dos outros políticos – sempre os outros. Soluções? Não apresentam nenhuma, pois o que pretendem é ganhar o voto para ter poder, não para construir soluções. No fim de contas, nada disto contribui para facilitar o acesso à verdade.

As forças de seguranças são instituições de defesa de direitos humanos. Esta missão constitui o núcleo central das suas funções e também o seu limite. Se existem dúvidas sobre isto, o Estado tem de garantir que toma as medidas necessárias. Só que, até agora, nada fez.

Com mecanismos de supervisão adequada, incluindo a instalação de sistemas de videovigilância nas esquadras, nos veículos e nos uniformes das forças de segurança, seria possível ter mais factos, matéria essencial para apreciar alegados casos de ódio racial, uso excessivo de força ou tortura e outros maus-tratos. Este controlo não deve existir para inibir os agentes no desempenho das suas funções, nem destruir o bom nome ou a imagem institucional das forças de segurança. Pelo contrário, é uma forma de garantir a elevada qualidade do trabalho, dos padrões de atuação, da excelência na proteção dos direitos humanos e também dos próprios agentes, aqueles que trabalham com brio – que são a maioria –, desincentivando abordagens menos corretas por parte dos cidadãos.

A Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI) vai investigar a atuação do agente no caso da Amadora. Apesar de estar fora da esfera da PSP, este organismo responde diretamente ao Ministério da Administração Interna, que tutela as forças de segurança. Ou seja, organicamente não garante a independência necessária – algo referido pela Amnistia Internacional e também no Relatório sobre Portugal da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI na sigla inglesa). A bem da verdade, as autoridades devem fazer da IGAI um órgão verdadeiramente independente, com mais poderes de investigação, para ter a capacidade necessária para analisar casos como aquele que aconteceu há uma semana.

Por tudo isto, ainda é essencial questionar se há ódio racial nas forças de segurança. Porque há casos que nos levam a pensar assim. Porque pode potenciar o debate em torno de medidas que facilitem o ajuizar da verdade, oferecendo justiça e reparação às vítimas. E porque as forças de segurança e o Estado têm de estar acima de qualquer suspeita, já que são garantes da promoção e da defesa dos direitos humanos em Portugal.

É necessário que o centro da sociedade sejam os factos e a verdade apurada por eles. O ruído gera discórdia, confusão e violência. E a violência nada mais gera que violência, num círculo vicioso e sem sentido que não pára de crescer.

De que valeram as agressões à senhora? Como está a sua filha depois de ver a mãe assim? Como está o motorista, também já agredido na rua, uns dias mais tarde? Como estão os polícias honestos e dedicados que, todos os dias, deixam os seus filhos pela manhã para mais um dia de trabalho e risco, vendo o seu bom nome manchado por colegas sem consciência do dever acima da convicção pessoal? Como estão todos os jovens que crescem em bairros onde a violência, quando vem, veste de azul escuro? Como estamos todos perante toda esta guerra urbana sem sentido, que nenhuma coisa traz de bem ao mundo?

Uma sociedade que vive em paz e beneficia do contributo de todas as pessoas. Não será este um horizonte melhor? Paremos para pensar.

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