Este texto faz parte da rubrica Regresso a um Mundo Novo, em parceria com a plataforma 100 Oportunidades, em que vários jovens nos ajudam a pensar o mundo pós-pandemia.


Com o final do Estado de Emergência e o SNS a haver superado o primeiro embate da COVID-19, todos estamos ansiosos para rever aqueles de quem sentimos falta e regressar às atividades de que mais gostamos.

É importante, no entanto, que tenhamos a consciência de que esse regresso à normalidade terá de ser gradual, sob pena de um desconfinamento precipitado nos roubar as pequenas liberdades que conquistamos com a entrada nesta nova fase.

É difícil fazer previsões quando nos encontramos perante um cenário inédito na era tecnológica, mas bastar-nos-á olhar para o passado, para a gripe espanhola, para conseguirmos compreender o quanto a insistência num regresso ao que ainda não podemos ter nos poderá enviar de volta para um cenário de privações prolongado – houve casos de retoma abrupta em 1918, que aumentando exponencialmente o número de contágios, motivaram nova clausura.

O Governo traçou as linhas para este novo período e, se as conseguirmos respeitar e mantivermos os hábitos aos quais nos vimos forçados – lavagem de mãos, procura de distanciamento quando necessário e uso de máscaras – regressaremos ao normal. Pelo menos parcialmente; haverá marcas deixadas por este vírus que nos acompanharão.

Na minha área, a Psiquiatria, creio que virá um desafio importante: identificar aqueles que, devido à violência psicológica da incerteza e do isolamento, vão necessitar de ser acompanhados. Será necessário fazê-lo sem esquecer aqueles já seguidos pela especialidade, que certamente necessitarão de um período de vigilância mais intenso quando as consultas presenciais forem retomadas. Este balanço só será alcançado com uma forte articulação entre os cuidados de saúde primários, essenciais para resolução dos casos menos graves e orientação dos casos mais severos, e os cuidados especializados, nos quais se incluem as consultas, os cuidados comunitários e os serviços de internamento.

Num estudo que estou a desenvolver com o André Ponte e o Miguel Raimundo, estamos a procurar avaliar o impacto do isolamento deste período na Saúde Mental e os resultados preliminares são interessantes, permitindo-nos começar a pensar em formas de minimizar esse impacto, ajudando a identificar atempadamente os grupos de maior risco. Durante os primeiros 30 dias de Estado de Emergência, apurámos que as pessoas a cumprir mais dias de isolamento, mulheres, desempregados, pessoas acompanhadas, com diagnóstico e medicadas em Psiquiatria, apresentavam mais sintomatologia depressiva.

Aqueles que se encontravam a trabalhar via teletrabalho apresentavam um nível inferior desses sintomas.

Apesar de estes resultados não terem causado surpresa, o facto de as pessoas mais novas, em especial os estudantes e aquelas que pensavam poder estar infetadas pela COVID-19 – sem teste confirmatório – também apresentarem um aumento dessa sintomatologia, aliado ao facto de os profissionais de saúde apresentarem níveis inferiores de sintomas quando comparados com as restantes classes profissionais, foi surpreendente e bastante intrigante.

São necessários resultados de mais estudos e dentro desses, de estudos que acompanhem a evolução da sintomatologia ao longo do tempo nos mesmos indivíduos, mas estes resultados permitem começar a pensar em mecanismos para proteger as pessoas do impacto deste período na saúde mental – as universidades, os centros de emprego, as instituições que lidam com jovens e mulheres, terão de estar mais atentas às eventuais necessidades destas pessoas. É necessário informá-las, para que em caso de necessidade, consigam procurar a necessária ajuda, minimizando o peso do período que estamos a passar.

Diz-se que as grandes crises apresentam grandes oportunidades. Não poderia estar mais de acordo com esta leitura dos momentos difíceis e penso que para a Saúde Mental, esta pandemia é uma oportunidade inigualável de divulgação de informação e combate ao estigma que ainda existe em relação à doença, porque este cenário inédito na era tecnológica, transversal a todos e a todas as classes, traz também a possibilidade de o combatermos como nunca foi possível.

A informação será a chave para quebrar o estigma e alcançar um regresso não ao mundo antigo, mas a um que terá de ser, necessariamente, melhor do que esse.

*Henrique Prata Ribeiro escreve segundo o novo acordo ortográfico