Não temos muitos amigos, é algo que se aprende com o tempo de vida que corre à nossa frente sem nos perguntar se queremos ir nessa direcção. Eu tenho uma amizade que, diz um amigo dessa minha amiga, é uma catedral. É uma imagem bonita. Sobrevivemos a tudo, até à família e à profissão. Venham daí com farpas que a malta aguenta, não o dizemos, mas é o mote. É muito difícil ser-se amigo seja de quem for, é preciso tempo, disponibilidade, é preciso memória e afecto e é preciso entender que umas vezes cedes tu e outras cedo eu para que possamos concordar que discordamos sem zangas ou outras propostas maléficas e de mau tom. Não é tarefa fácil, talvez por isso se considere que é a melhor forma de amor. Ter um amigo é ter alguém que nos carrega e que conta a nossa história. Não é ter um amigo no Facebook, que isso interessa muito pouco. Eu tenho quase cinco mil amigos por aquelas bandas e nunca vendi cinco mil livros, porque será?

Então, qual é o critério para se dizer: esta pessoa é minha amiga? O critério é relativo, é evidente. Não é geracional, não é herança de infância (embora possa ser), não se pretende com género, nem mesmo com ideologia política. Um amigo pode ser alguém com mais trinta anos de idade, ou alguém com menos vinte. O que importa é sabermos que é alguém que está para nós apesar das nossas desgraças, das bodegas que temos dentro de nós. O nosso amigo já nos ouviu dizer coisas impensáveis, tem as nossas confidências, sabe os nossos podres e as nossa fragilidades. E, apesar de tudo isso, desse património nefasto, gosta de nós. Mesmo que exaspere com algumas das nossas falhas, não tem intenção nos falhar. Não existem muitos amigos com quem possamos ter um registo de intimidade. A intimidade é tramada.

Entendo na perfeição que seja muito exigente ser-se amigo de alguém. O que não entendo é a hipocrisia de algumas almas que dizem ser muito amigas, ah, conheço-a há anos, sei perfeitamente quem é, e outras observações deste calibre, e depois praticam tiro ao alvo nas costas da mesma pessoa de quem se dizem amigas. Há desgostos destes que são complicados e penosos de viver quando se tem vinte ou trinta anos. Aos cinquenta não resvalam na carapaça da minha indiferença, divertem-me, são uma aventura sociológica. Mas eu não sou exemplo, sei os amigos que tenho. Os amigos verdadeiros. E também sei quem são os outros. Em tempos de pandemia, garanto-vos que esta compreensão é crucial para vivermos dentro de uma quantidade razoável de felicidade.