Praticamente todos os aparelhos, equipamentos e pinchavelhos, desde as tostadeiras aos aviões, usam semicondutores. São aqueles quadradinhos do tamanho duma cabeça de alfinete que contêm milhares, milhões, de circuitos eléctricos, ligando meia dúzia de componentes (já lá vamos) que controlam o funcionamento das “coisas”, sejam elas as luzes das escadas de serviço ou os piscas dos automóveis.
Tempos houve, e não foi assim há tanto tempo, em que só os equipamentos técnicos sofisticados usavam semicondutores miniaturizados. Antes disso, ou seja, antes de 1947, nem sequer existiam. Em 1954 passaram e ser feitos com um minério chamado silício, ao mesmo tempo que entraram na construção de receptores de rádio portáteis. Nunca é demais salientar a importância dos “rádios-transistor”, uns aparelhos pequeninos que influenciaram não só a tecnologia, mas até a política – diz-se, com alguma graça e veracidade, que o sucesso do General de Gaulle como presidente se deve aos rádios de bolso que permitiram a todos os franceses ouvir os seus discursos, na praia ou na casa de banho.
Não vamos aqui explicar como é que funciona o transistor, um dos componentes dos circuitos eléctricos, agora electrónicos. O que interessa é que a “transistorização” (neologismo que não existe) dos ditos circuitos permitiu uma redução de dimensões comparável à diferença entre um elefante e... uma barata. Os tais componentes, que podem ser resistências, capacitores, fusíveis, comutadores, retransmissores e outros bichos desconhecidos dos leigos, permitiram transformar a electricidade numa ferramenta de comando e controle de praticamente tudo o que mexe, ou nem sequer mexe, mas faz alguma coisa de útil.
O passo seguinte, que ocorreu em 1959, foi a invenção do circuito integrado: todos os componentes ligados entre si numa placa de pequenas dimensões, onde não são montados à mão, mas antes impressos – como se imprime com tinta numa folha de papel. Daí em diante começou uma competição para imprimir circuitos cada vez mais complexos num espaço cada vez menor. Um microchip actual, do tamanho do olho da barata, contem milhões de componentes. Segundo a Lei de Moore, formulada em 1965 por um engenheiro da Intel, o número de componentes num microchip duplica a cada dois anos, ao mesmo tempo que o seu custo cai pela metade. Até hoje esta lei continua válida, o que significa que os progressos na miniaturização e funções dos microchips atingem anualmente níveis mirabolantes.
Toda esta conversa para chegar à actualidade, 2022, altura em que os microchips entraram em todos os sectores de produção e tornaram-se indispensáveis para qualquer máquina. Ficámos a saber que a pandemia de Covid-19 diminuiu a produção e dificultou a distribuição de microchips, e como resultado disso há falta de automóveis, ventiladores, condicionadores de ar, torradeiras, e de muitos outros produtos que, não tendo microchips, são fabricados por máquinas que precisam deles.
Agora vamos sair da parte técnica e entrar na geopolítica – tudo acaba por entrar na maldita geopolítica!
Sendo produtos de alta precisão, os microchips são produzidos por fábricas altissimamente especializadas. Essas fábricas usam máquinas mais especializadas ainda; basta dizer que apenas um país as produz em quantidade e com fiabilidade, a Holanda. Isso mesmo, a Holanda! A China e os Estados Unidos, que qualquer pessoa pensaria serem os melhores candidatos ao título de “super-produtor de máquinas-ferramenta para a produção de microchips”, não chegam aos calcanhares da Holanda. (Está tudo explicado aqui).
Ora bem, a competição internacional dos microchips tem duas componentes: uma, é a capacidade de produzir, outra, a possibilidade de evoluir. Para um país ser competitivo precisa não só de fazer muitos chips, mas também de investigar e testar os chips da geração seguinte – que, seguindo a Lei de Moore, aparecem a cada dois anos, mais ou menos.
Aqui é que a geopolítica entra a matar. Actualmente há apenas dez fabricantes significativos de microchips. Quer saber quais? A Intel (EUA), Samsung (Coreia do Sul), TSMC (Taiwan), SK (Coreia do Sul), Broadcom (EUA), Qualcomm (EUA), Micron (EUA), Applied Materials (EUA), Nvidia (USA) e Texas Instruments (EUA).
Mas esta lista é enganadora, pois mostra que a maior produção está nos Estados Unidos, mas não diz onde está a melhor e mais avançada pesquisa. Na realidade, Taiwan e a Coreia do Sul são os dois países à frente no desenvolvimento da próxima geração de microchips, além de serem produtores formidáveis – usando maquinaria holandesa, não esqueçamos. As estatísticas são contraditórias, algumas asseguram que o maior produtor é a China, embora esteja longe de ser o mais avançado. Ou seja, os chineses precisam urgentemente de melhorar a sua pesquisa, se não em breve estão desactualizados.
Agora já faz algum sentido que a China não invada Taiwan, como tanto deseja: essa invasão destruiria completamente a produção da ilha, com efeitos tectónicos no mercado mundial. Também faz sentido ver o desespero dos norte-americanos, que estão na segunda linha tanto na produção como no desenvolvimento. (Veja também aqui uma estatística interessante.) Não é por capricho que o presidente Biden deu ordens e quer cativar recursos para ajudar o sector.
A produção de microchips está globalizada, como a produção de praticamente tudo o que consumimos, mas neste caso é um tanto assimétrica; países mais pequenos e com menos músculo militar, como a Coreia do Sul e Taiwan, dominam o mercado. E países que não tem representatividade no nível de produção, como o Reino Unido e a Holanda, desempenham um papel importantíssimo neste “tecnossistema”. O Reino Unido também? Esta lista mostra a importância das dez maiores empresas britânicas no sector.
Talvez esta situação também explique, pelo menos parcialmente, a atitude da Rússia em relação à Ucrânia; por um lado, quer invadir para mostrar o seu poder “convencional”, por outro lado não pode entrar por ali dentro porque as sanções ocidentais incluem o corte do fornecimento de microchips – e a Rússia, que está muito atrás na produção e desenvolvimento, precisa desesperadamente das suas importações de electrónica. Talvez também seja por isso que Putin tem procurado aproximar-se da China, um fornecedor alternativo. Há tantos “talvez” na política mundial...
É interessante notar que durante a Guerra Fria o interesse das grandes potências estava no nuclear; criar e produzir mísseis de mais longo alcance, bombas com mais poder destrutivo. Actualmente, a percepção é diferente; quem ganhar a competição dos microchips é que será dominante no futuro.
É o admirável mundo novo; tão competitivo como o mundo velho, mas com outros troféus.
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