O Governo anunciou as regras da nossa vida nas próximas semanas e dividimo-nos entre optimistas e pessimistas, consoante o grau de apreensão. Mas calma, não estou sequer a equacionar aqui os sociopatas que – agora que se vê que as medidas de confinamento tiveram resultados eficazes na contenção do contágio – andam aí a bradar aos céus que não se devia ter feito confinamento nenhum e que foi tudo um exagero. Engraçado que quem diz isto não são profissionais de saúde, não são funcionários de supermercado ou condutores de transportes públicos ou até mesmo quem morreu. Quem o diz é normalmente gente que leva vidinhas bem confortáveis e que, com um bocadinho de sorte, o que os está a irritar mais é os campos de golfe estarem fechados. É o chamado “pimenta no cu dos outros é refresco”, como diria o povo.

Por variadíssimas razões, sendo umas das principais que a crise económica não mate à fome quem não morreu da doença, faz sentido que o país se comece a abrir, procurando uma nova normalidade. E é isto que vai ser um teste ao nosso civismo, e que nos divide entre optimistas e pessimistas, no que diz respeito às expectativas que temos sobre o comportamento generalizado da população. Os pessimistas tendem a achar que a maior parte dos portugueses é desprovido de qualquer sensibilidade social e sentido cívico para poder lidar com as próximas semanas. Ou seja, vai dar merda num instante.

Coloco-me no lado dos optimistas. Acredito que, de um modo geral, o pessoal percebe a importância do uso de máscara nos transportes públicos e nos supermercados, que não se pode estar ao monte nas lojas, e que convém não desatar aos linguados a todos os desconhecidos e desconhecidas que nos aparecem à frente só porque estão a trepar paredes. Agora, claro que vai haver gente a ser pouco civilizada, como há sempre. Pessoal que cospe para o chão, que estaciona em segunda fila em qualquer lado, que não diz obrigado quando alguém lhe segura a porta para passar, que passa à frente nas filas, que escreve “gostas-te?”, que come pizza de bacalhau com natas, que mete like em posts do Ventura, que lê o A Arte Subtil de Dizer Que Se F*da e acha um bom livro, entre muitas outras coisas. Mas isto não é de agora, e se estes critérios interessassem para a disseminação do vírus, então estaria também eu bastante preocupado. Não interessando, acho que a grande maioria das pessoas que vai, acima de tudo, usar o bom senso para que isto não piore drasticamente e não tenhamos que voltar a ficar completamente presos em casa outra vez para se evitar mais mortes.

E digo-vos uma coisa, não há ajuntamentos grandes, não há Lux, nem Santos Populares, mas só poder estar em grupinhos pequenos a conversar com os meus amigos já me vai saber pela vida. E isto alimenta-me de sobremaneira o optimismo.
Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:

- O Que Fazer dos Estúpidos: Estou a adorar o livro do Maxime Rovere.
- After Life: Acho que esta segunda temporada está ainda melhor do que a primeira.