O mundo divide-se em dois tipos de pessoa: as que respeitam religiosamente o horário de check-out nos hotéis e as que saem mais tarde sem qualquer problema. Conheço pessoas que entram em pânico se vêem a hora de check-out a aproximar-se e ainda falta arrumar a mala. Preferem abandonar o quarto 10 minutos antes para que seja hora de check-out não quando saem, mas sim quando acabam de entregar a chave, pagar e meter o pé na rua. Estas pessoas levam ao extremo o cumprimento de horários de check-out achando que vai entrar a polícia de intervenção a qualquer momento se demorarem cinco minutos a lavar os dentes. Calculo que sejam pessoas que não gostam do confronto e que temem que alguém da recepção lhes ligue para o quarto a avisar que a hora já passou ou que as olhe com desdém quando forem entregar a chave. Arrisco dizer que são pessoas que nunca esperavam pelo segundo toque na escola e que preferiam faltar a chegar dez minutos atrasados à aula e ter todos os olhares em si e a reprovação e confronto da professora ao perguntar-lhes “Porque chegou atrasado?”. Tinha uma colega que a esta pergunta respondeu “Adormeci-me”. É assim que se ganham alcunhas.

O outro tipo de pessoa é aquele que nem sabe se o check-out é as 11h ou às 12h. Não interessa. Até avisarem, é porque está dentro da lei. Este segundo tipo sai à hora que quer e só sai da cama quando lhe ligam da recepção a dizer que já passa da hora, ao que ele responde “Sim, sim, atrasei-me, estou mesmo já a sair”. Nisto, ainda se vira para o lado e dorme mais uma sesta e só depois é que se levanta, com toda a calma do mundo, para começar a arrumar a mala. Ao contrário do tipo A, que normalmente abandona o hotel sem tomar banho porque não se quer atrasar, este tipo B, mesmo já passando duas horas do check-out, ainda vai tomar banho daqueles demorados onde se esfrega bem atrás das orelhas.

Confesso que com os anos tenho derivado de um tipo A para um tipo B. Na minha vida sou muito pontual e não gosto de fazer ninguém esperar, normalmente sou sempre dos primeiros a chegar aos sítios onde tenho de ficar a fazer tempo porque fui a única pessoa a chegar a horas. No entanto, com o check-out não tenho tanto cuidado. Sei que 10 ou 20 minutos não fazem diferença para o hotel nem para a equipa de limpeza, mas normalmente pergunto sempre se posso ter um late check-out que normalmente é uma horita a mais. Chamar-lhe late check-out é exagero; quando ouvi falar que essa opção estava disponível pensei que fosse sair pela hora de jantar quando é, efectivamente, tarde.

Por falar em check-outs, há uns tempos, estava hospedado num hotel do Porto e ligam-me da recepção a dizer que faltavam 15 minutos para o check-out. Eu estava na cama, ainda, até porque tinha ido ao Porto e ia fazer o quê na noite antes? Não comer uma francesinha nem beber vinte finos nas galerias? Seria desperdício. Dizem-me “Está na hora do check-out, tem de sair já!” num tom de voz agressivo e bastante mal-educado. Eu respondo “Sim, sim, atrasei-me estou mesmo já a sair”, ao que a senhora responde “Não sabe que o check-out é ao meio-dia?” ao que lhe respondo que faltam 15 minutos e desliguei o telefone. Apressei-me e a verdade é que estava na recepção dois minutos antes do tempo, só para provar à senhora que tinha sido palerma para nada. Deixo as malas numa salinha enquanto vou almoçar. Quando volto para as buscar, cerca das 15h, oiço uma conversa entre a recepcionista e outro membro do staff. “Nem sabes o que aconteceu, o hóspede do quarto 211, aquele a quem tivemos de ligar três vezes para fazer o check-out e ele só saiu eram duas da tarde, sabes? Então, cagou no armário.”. Sabem quando um cão está a olhar para o horizonte e ouve a palavra rua, vira imediatamente a cabeça e inclina-a, ficando com uma cara “Desculpe, eu ouvi bem? O senhor disse rua?”. Foi isso que eu fiz, tirei os olhos do telemóvel, entortei o pescoço quase tanto como a menina do Exorcista e pensei “Desculpe, a senhora disse cagou no armário?”. Pelo desenrolar da conversa percebi que o tal hóspede, estrangeiro, não tinha gostado que o mandassem sair do quarto e não só não tinha saído logo como decidiu deixar um presente dentro do armário, descoberto pela senhora da limpeza que, espero eu, ficou surpreendida e deu um salto para trás exclamando um belo e sonoro vernáculo à moda do Porto.

Depois, e perdoem-me a imagem escatológica, o que mais me deixou a pensar foi como terá sido feito aquele cocó. O armário do quarto era muito pequeno, dificilmente o homem conseguiria entrar, agachar-se e expelir cocó lá, a não ser que estejamos a falar de um artista do Cirque du Soleil. O que me leva a pensar que ele pode ter defecado na sanita e depois, auxiliado por um saco, um pau ou mesmo sacrificando umas meias, moveu o tronco de Natal de lá para dentro do armário. Se foi isso que aconteceu, temo que houvesse mais cocós espalhados pelo quarto, pelo menos era o que eu teria feito.

Não sei se ele cagou enquanto usava uma capa, mas às vezes os heróis que temos são aqueles que merecemos e não os que precisamos. Foi má educação e falta de respeito ou foi ativismo? Não sei, nos dias de hoje às vezes confundem-se e há muita gente que diz que a merda que faz é ativismo. O que eu sei é quem teve de limpar aquilo foram as empregadas de limpeza e não a recepcionista mal-educada que deve ter sido a responsável pela ira fecal do ativista do cocó. Às vezes também acontece isso nas revoluções ativistas e há danos colaterais que fazem parte.

Para ler: Diário de Quarentena e outras cenas, de Rui Cruz.

Para ouvir: Álbum Rapazes e Raposas, de B Fachada.

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