Parece ter sido o pensamento de muitas, muitas pessoas, em Portugal e no mundo. Um ataque frenético, insano, uma vontade imensa de gastar dinheiro, de ir para a porta das lojas, de gastar, gastar o que não se gastou no confinamento profilático, essa coisa a que teimam chamar quarentena.

Na China, a loja da Hermès, em Guangzhou, abriu no dia 11 e o que aconteceu? Dois milhões e meio de euros de facturação num único dia. Um record. A recuperação da economia é crucial, dirão. E a China é responsável pelo consumo de um terço das vendas mundiais de artigos de luxo. Tudo bem, há dinheiro para gastar em diamantes e em malas icónicas, quem sou eu para julgar? Tão pouco me posso admirar quando, à nossa escala, se fazem filas para ir a lojas de roupa, digamos, descartável (algumas marcas terão de me perdoar, mas as roupas que comercializam são, demasiadas vezes, para usar seis meses e deitar fora, a qualidade não aguenta lavagens e secagens e outras maldades que fazemos à roupa e aos acessórios). Pasmo com as imagens das ditas filas, tento perceber o que procuram as pessoas, vão usar roupa nova em que ocasião? Preparam-se para grandes convívios? É que eu, no meu confinamento e com as devidas precauções, já sei que não irei a lado algum, o meu guarda-roupa tem mais do que o suficiente para me satisfazer as necessidades. Não uso calças de treino e não me desleixei por estar em casa, mas não sinto necessidade de ir a correr comprar a nova tendência da estação. Qual é a nova tendência da estação?

Respeito quem o faça, cada um faz o que quer, isso é viver em democracia, contudo tenho de admitir que me causa algum espanto e nunca pensei que tal fosse acontecer. Na verdade, as pessoas irem para a praia não me surpreende tanto quanto irem para a fila de uma loja de roupa. Eu começo a imaginar o vírus nas mesas das camisolas, o vírus nos cabides, o vírus por ali a fora, em lojas que não são pequenas e que têm pontos de contacto múltiplos. Gosto desta camisa, vou ver ao espelho, afinal não, devolvo ao cabide e ao varão e depois vem outra pessoa, e outra e outra. Não podemos esperar que a cada toque haja higienização.

O caso das lojas de roupa é similar a outros espaços comerciais, dirão. Sim, pode ser que sim, mas ir ao supermercado, à mercearia, é essencial, uma camisa, em dias que correm, será essencial? Não sei responder. Uma amiga diz-me que as vendas online de roupa e sapatos subiram, acrescentando que ela tem de ir “mesmo” comprar coisas novas porque engordou, engordou bastante, “não caibo nas calças”. E eu aceito, que custa sempre menos, e faço um esforço para compreender. E é isso que estou ainda a fazer: um esforço para compreender.