Um grande amigo dizia-me ontem que queria sair de Lisboa, ir viver para o campo, não se trata do preço das coisas, mas também da segurança, acrescentava ele. Esteve confinado durante um mês fora da sua casa, as crianças, os sogros, tudo ao molho, na mesma casa que, sendo no campo, tem jardim e bom ar e uma horta e árvores de fruto. Os miúdos a correr o dia inteiro por ali à solta. Uma qualidade de vida ímpar que o fez repensar a vida. E a transformação interna que sofreu ao longo deste confinamento, foi baseada numa única pergunta: do que preciso mesmo?

O exercício permitiu-lhe rever a sua vida profissional e, nos últimos dias, considerar se a vida na província não seria outra coisa. Durante muito tempo acalentei esse mesmo sonho, a chamada poesia no campo, a coisa idílica do relvado e do limoeiro, quem sabe uma figueira, e uma casa rasteira, sem degraus, a pensar no futuro, nas traições do corpo. Há pouco menos de três anos, fiz obras na cozinha e tive de permanecer uns tempos fora da cidade de Lisboa. Como em todas as obras, os atrasos e o orçamento sofreram diferentes alterações e o que seriam três semanas, acabou por ser um martírio de três meses e de horas infinitas no trânsito, atravessa a ponte, uma hora para chegar a casa. Rapidamente me convenci que o campo não era para mim, é certo que não estava numa casa com todo o conforto, não tinha relvado ou árvores de fruto, estava enfiada em pouco mais de 40 metros quadrados e talvez isso não tenha ajudado. Concluí então que sou urbana, sou de Lisboa, daqui ninguém me tira e foi com gigantesco alívio que voltei para casa, obras prontas, tudo a precisar de ser limpo.

O tempo tem o condão de fazer e refazer as nossa ideias e ainda bem, sempre pensei que uma pessoa idiotamente coerente é uma pessoa sem imaginação, por isso, vivendo este tempo estranho em que o vírus se tornou um mono tema e é só sobre isto que lemos ou ouvimos falar, dou comigo a ouvir o meu amigo e a repensar nessa decisão radical assente no meu pretenso urbanismo. Talvez o campo fosse melhor, talvez fosse mais calmo, decerto mais barato. E o pensamento vai crescendo, ao ponto de chegar a esta crónica, e eu, matutando na vida, sei, ao fim de 40 dias em casa, a verdadeira quarentena, que a minha vida se transformou. Não voltarei para a minha realidade anterior, deixarei de ter um espaço físico para trabalhar em breve, pela primeira vez, aos fim de trinta e dois anos, sem redacção, sem escritório, sem sítio para ir todos os dias. E, assim, perto, muito perto de fazer cinquenta anos, a minha vida redesenha-se, exigência do vírus, sim, desta pandemia, que não traz só coisas boas. Dizem os chineses que tempos de crise, são tempos de oportunidade. Quem sabe se não vou para o campo.