Não foi a primeira vez e, mesmo contando com a que fiz na Índia, é certo que ao viajarmos sozinhos lidamos muito connosco mesmos, mas não contem comigo para navegar nesse barquinho cliché do “Ai… Vim tão diferente de lá, a Índia mudou-me tanto…”. E quem diz Índia, diz Sri Lanka, diz Indonésia, diz Aljustrel, diz qualquer que seja o sítio. A questão é: se tu não mudas, ou seja, se não aprendes, todos os dias, e se calhar com mais intensidade ainda quando estás a viajar, o que é que andas cá a fazer? É, de facto, uma sentença que as pessoas gostam muito de gaseificar da boca para fora quando voltam de uma viagem a um país deste género. Alinharam os chakras e deram valor à vida que têm quando viram aquelas pessoas tão pobrezinhas… Poupem-me. Também só dão valor à comida quando não comem há três dias?
Agora, que somos obrigados a lidar muito connosco mesmos, somos sim, tão certo como os cingaleses usarem chilli pepper até na fruta ou nas omeletes ao pequeno-almoço – e disso sou grande fã, confesso.
Viajar sozinho é das melhores experiências que podemos ter, mas claro que há coisas chatas. Para já, farto-me de mim. Farto-me. Não tendo ninguém com quem partilhar os pensamentos absurdos que tenho constantemente, é como estar a jogar ping-pong sozinho. Sirvo, depois tenho que ir correr ao outro lado da mesa e responder, depois voltar, e assim sucessivamente até eu, claro, ganhar e perder o ponto. Depois vem outra bola e dá sempre empate.
Além disto, somos os máximos e únicos responsáveis pelas decisões que tomamos na viagem. Não podemos culpar o nosso parceiro de viagem pela escolha de um mau restaurante ou hotel. A culpa é sempre, sempre nossa. A não ser que sejamos daqueles crentes mais radicais que acham que não têm mão nenhuma na própria vida porque é Deus quem decide tudo. Não, caros viajantes, não foi Deus que vos mandou serem um unhas de fome e não é por causa dele que agora estão a dormir num colchão onde ainda ontem uma velha irlandesa foi devorada por baratas tendo apenas sobrado os brincos. A culpa é só nossa. Aborrecido.
Por cima disto tudo, há a solidão. Nem todos os momentos são de conhecer pessoas ou sítios incríveis. Às vezes passamos sozinhos em becos escuros, às vezes o quarto é demasiado grande só para uma pessoa, e aquele pôr-do-sol é tão bonito que merecia mesmo ser visto a abraçar um amigo. Por mais recompensador que seja viajar sozinho, porque o é, a net aproxima mas não chega a tocar, e as saudades apertam mais a cada dia. Mas até acaba por ser bonito, além de histórias para contar, acumulam-se abraços para dar.
As coisas boas de viajar sozinho? Também não queiram que faça o trabalho todo por vocês. Mandem-se.
Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:
- Ozark: Gostei muito da primeira temporada e esta continua no mesmo nível.
- Anthony Bourdain: Estão para breve os episódios finais de Parts Unkown. Estou tão feliz quanto triste.
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