Boa sorte, caloiros, que isto seja tudo o que esperam

Pedro Soares Botelho
Pedro Soares Botelho

A entrada no Ensino Superior não é a mesma coisa para toda a gente. Poderá ser uma vitória pessoal, uma conquista coletiva. Poderá ser o único caminho óbvio, ou a fuga ao destino certo. Poderá ser o marco inicial para uma família, ou um ritual de grupo para outro. Poderá ser o empenho de uma mãe, a luta de uma avó, o consolo de um pai, o orgulho de um avô. Olhar para os perto de 51 mil novos alunos do Ensino Superior público português é olhar para 51 mil realidades, 51 mil lutas — umas fáceis, outras duras —, que espelham uma sociedade de diferenças.

Souberam-se esta madrugada os resultados das colocações do concurso nacional de acesso. Segundo os dados divulgados pela Direção-Geral do Ensino Superior (DGES), 50.964 estudantes ficaram colocados no concurso nacional de acesso para ano letivo de 2020/2021, que começa esta semana na maioria das Instituições de Ensino Superior (IES). São mais 15% do que no ano passado e mais 21% do que em 2015, segundo dados da Direção-Geral do Ensino Superior — e a DGES estima que no final de todo o processo, se inscrevam no ano letivo que está a iniciar-se cerca de 95 mil novos estudantes no ensino superior público e privado.

No entanto, também foram mais os estudantes que decidiram concorrer (mais 23% do que no ano passado) e este ano quase 12 mil não ficaram colocados, podendo agora concorrer à 2.ª fase que começa na segunda-feira com mais de seis mil vagas disponíveis. Ou seja, este ano houve 62.930 alunos a tentar a sua sorte, dos quais 11.966 não conseguiram lugar no ensino universitário nem politécnico.

As regiões de Lisboa e do Porto continuam a concentrar quase metade dos novos alunos: Este ano são 23.916 caloiros, o que significa um aumento de cerca de mais três mil do que no ano passado. Mas também há cada vez mais alunos a escolher instituições localizadas em regiões com menor pressão demográfica: Este ano serão 12.314 estudantes (mais 20% do que no ano passado). Além disso, cerca de 10 mil alunos escolheram como primeira opção um curso em instituições localizadas nestas regiões, o que representa um aumento de 28% em relação ao concurso do ano passado.

Mal se sabem os números, procuram-se as médias: quem tem os alunos com notas mais altas? Dois cursos do Instituto Superior Técnico e um da Universidade do Porto têm os cursos com a média mais alta de entrada, que este ano chegou aos 19,13 valores. Isto diz pouco. A verdade é que a nota de entrada diz menos sobre a exigência de um curso e mais sobre a sua atratibilidade. Porque as notas são usadas para seriar os candidatos: imagine-se um curso qualquer que tenha 100 vagas, a que concorrem 200 alunos. Para decidir os que entram, é usado o critério da nota de candidatura (ponderação entre a média do Ensino Secundário e dos Exames Nacionais), entrando primeiro aqueles que têm notas mais altas.

As notas, claro, são afetadas depois por muitos fatores. É diferente fazer o secundário com um explicador e um lar tranquilo, de o fazer sem acompanhamento numa casa conturbada. E mesmo a candidatura sofre de condicionamentos diversos — alojamento, possibilidade de estudar sem ter de trabalhar, etc. Ciclos que afetam o acesso a cursos, instituições — e ao próprio ensino superior.

Ainda assim, importa salientar que este novo ano letivo que agora se inicia conta com 312 novos estudantes que conseguiram um lugar numa instituição de ensino superior através do contingente especial para estudantes com deficiência. Para os candidatos com deficiência existe um contingente especial com vagas fixadas. Este ano entram 312 alunos, um número que pode parecer baixo tendo em conta o universo de quase 51 mil estudantes que agora entram para o ensino superior através da 1.º fase do concurso. No entanto, representa um aumento de 39% face aos valores registados no ano passado, altura em que 224 alunos conseguiram uma vaga, segundo os dados divulgados hoje pela Direção-Geral do Ensino Superior.

Já em relação a 2015, o número de colocados através deste contingente para pessoas com deficiência mais do que duplica, uma vez há cinco anos apenas entraram no ensino superior 120 estudantes através deste contingente especial.

Ser caloiro é estar mergulhado em expectativas. Temos a esperança de ser infinitos, de conquistar o mundo através desta porta enorme. Os corredores das universidades e politécnicos públicos, com o seu cheiro a vontades, são pequenas rampas — hoje desertas — dum caminho a navegar.

Talvez não se possa dizer taxativamente que entrar é mais fácil do que sair. Porque mesmo sendo geralmente fácil entrar, o caminho que algumas pessoas têm de fazer para se sentar nas cadeiras duras do ensino superior não é idêntico — nem depende apenas de uma vontade única e pessoal. Cai tantas vezes sobre os ombros de uma mãe, de um pai, que, nunca sonhando pisar o solo académico, estão ao lado dos filhos, de orgulho enorme, a subir com eles um caminho que lhes esteve vedado.

Num tempo incerto, resta desejar sorte aos novos estudantes. E dar os parabéns: a eles e à montanha de pessoas que os ajudou a chegar ao resultado: colocado.

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