Porque é que um altar-palco custa 5 milhões de euros?
O altar-palco que vai ser construído no Parque-Tejo, a propósito da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) tem um custo que ultrapassa os 4 milhões de euros. Feitas as contas, até ultrapassa os 5 milhões.
Quanto às restantes infraestruturas — Parque Eduardo VII, Terreiro do Paço e Parque da Belavista —, os valores contratualizados ainda não estão fechados, "alguns estão em processo de contratação e outros em processo de conclusão das peças contratuais".
O que está em causa no que diz respeito ao altar-palco?
O contrato publicado na semana passada no Portal Base dá conta do valor total do altar-palco da Jornada Mundial da Juventude em Lisboa, onde o Papa Francisco vai celebrar a missa final, no Parque Tejo, com vista para a Ponte Vasco da Gama: 4.240.000,00 €. Numa leitura mais simples, vai custar mais de 4,2 milhões de euros — e ainda acresce o IVA — e "1,06 milhões de euros para as fundações indiretas da cobertura".
O contrato refere também que a obra foi adjudicada por ajuste direto pela SRU – Sociedade de Reabilitação Urbana, a empresa municipal da Câmara de Lisboa responsável pelas obras no Parque Tejo, à construtora Mota-Engil.
Porquê ajuste direto?
Neste caso, tudo tem origem no Orçamento de Estado para 2023, que abre uma exceção em relação à Jornada Mundial da Juventude.
"Para a celebração de contratos que tenham por objeto a locação ou aquisição de bens móveis, a aquisição de serviços ou a realização de empreitadas de obras públicas e que se destinem à organização, programação, conceção e implementação da Jornada Mundial da Juventude 2023, incluindo as intervenções necessárias nos locais dos eventos e a eventual relocalização de instalações existentes, as entidades adjudicantes podem adotar procedimentos de ajuste direto quando o valor do contrato for inferior aos limiares referidos nos n.os 3 ou 4 do artigo 474.º do CCP [Código dos Contratos Públicos], consoante o caso", pode ler-se no documento do OE2023. Aqui, o limite é de 5,35 milhões de euros.
O que diz a Câmara de Lisboa?
Esta quarta-feira, em conferência de imprensa que o SAPO24 acompanhou no Parque-Tejo, Filipe Anacoreta Correia, vice-presidente da CML, deu alguns esclarecimentos a propósito da construção deste altar-palco, começando por referir que a JMJ é "um evento de grande dimensão e de grande mobilização", com um "conjunto muito impressionante de pessoas", sobretudo jovens.
Quanto ao altar-palco no Parque Tejo, Anacoreta Correia evidenciou que "em primeiro lugar, é preciso ter noção de que a estrutura (...) tem de responder àquilo que é um pedido do promotor do evento", ou seja, a Fundação JMJ, em diálogo com a Santa Sé. Mas, garante a CML, estas especificações apenas dizem respeito à dimensão e os responsáveis pelo projeto tiveram a sua liberdade criativa assegurada.
"Foram estabelecidos um conjunto de requisitos. Na celebração principal estamos a falar, em cima do palco, em cerca de duas mil pessoas", entre as quais "padres, o coro, linguagem gestual, orquestra, staff, equipa técnica, tudo o que envolve um evento desta dimensão", enumerou.
Sobre a forma como a Igreja reage ao preço do altar-palco, Filipe Anacoreta Correia lembrou apenas que julga que "tenha ficado claro que o valor de investimento fica na cidade".
Mas como é que se chegou ao processo de contratação?
Questionado pelos jornalistas sobre o procedimento de contratação, Filipe Anacoreta Correia apontou para a “excecionalidade do evento” e assegurou que existe “uma preocupação de que o processo decorra de forma “mais transparente”.
Nesse sentido, o vice-presidente da Câmara de Lisboa explicou que foram feitas três consultas de mercado, a primeira delas a sete empresas, com valores de propostas entre 4,4 milhões e 8,4 milhões de euros.
Anacoreta Correia referiu ainda que a última consulta foi feita “às duas empresas selecionadas com as melhores propostas, que correspondem às maiores empresas de construção em Portugal”.
Questionado pelo SAPO24 sobre se foi equacionado o fracionamento como uma forma de ficar abaixo dos tetos do ajuste direto, respondeu que esse processo "claramente que é ilegal".
"Nunca esteve presente no nosso horizonte. Temos uma preocupação grande de conduzir este processo de acordo com os imperativos da lei, com aquilo que a lei nos permite", notou.
Desta forma, sendo possível ir "para além da lei" com o ajuste direto, Anacoreta Correia frisa que apesar disso "houve um processo de auscultação que foi prolongado no tempo e a que a lei não obrigava".
"Como cidadão também prefiro concursos públicos, compreendo as dúvidas e receios em relação aos processos, mas é preciso ter a noção de que este é um evento único. Tem de estar feito naquele dia. Será por essa razão que em eventos equiparados o legislador cria um regime especial, que não deve ser visto pelas entidades públicas com menor exigência", salientou, garantindo que a CML quer "dar provas e informações de que são os melhores preços, para que tudo fique registado".
Resumidamente, o que se sabe sobre as características do altar-palco?
- Vai estar a nove metros de altura do chão;
- A estrutura tem três plataformas;
- Tem capacidade para 1000 bispos, 300 concelebrantes, 200 membros do coro, 30 intérpretes de língua gestual, 90 elementos de orquestra, ‘staff’ e equipa técnica;
- No total, tem 5 mil metros quadrados, ou seja, o equivalente a meio campo de futebol;
- Tem dois elevadores para mobilidade reduzida e uma escadaria central para os jovens acederem ao palco.
Terminada a JMJ, o que acontece à estrutura?
Ontem, Carlos Moedas referia ter pedido "aos engenheiros e arquitetos" que, "desde início, essa infraestrutura [o altar-palco] pudesse ficar para o futuro", facto aprovado pelo presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que falou na possibilidade de "um polo de lazer verde" ou de "outro tipo de estrutura mais estável para outro tipo de eventos".
Esta quarta-feira, Filipe Anacoreta Correia deu seguimento à ideia, ao referir no Parque Tejo que se pretende que o palco tenha várias funções depois da Jornada Mundial da Juventude.
"Foi feito um trabalho em que se projetou retirar e redimensionar a cobertura e o próprio palco depois do evento. Já não terá os nove metros de altura, mas vai incorporar, estruturalmente, a zona. Passaremos a ter aquele palco, já não com aqueles prolongamentos, mas um palco em condições de acolher outros eventos", explicou.
"Estou aqui em condições de dizer que a Câmara Municipal já teve manifestações de produtores de eventos a dizer 'nós gostávamos de fazer aí o nosso evento'", realçou ainda, garantindo que "estamos a falar de eventos internacionais", mas sem avançar quais, pois isso "seria prematuro". Contudo, sabe-se que serão iniciativas de cariz musical ou cultural.
No dinheiro gasto, o que fica depois para a história da cidade?
O vice-presidente da CML fez uma apresentação do orçamento da autarquia não apenas no que diz respeito à JMJ, mas ao futuro do Parque Tejo-Trancão.
Assim, é definido que os estudos, projetos e fiscalização vão custar 1,6 milhões; a reabilitação do aterro sanitário 7,1 milhões; os ensaios e fundações têm um valor de 1,06 milhões; o altar-palco custa, como se viu, 4,24 milhões de euros; as infraestruturas e equipamentos 3,3 milhões e a ponte pedonal sobre o Trancão tem um valor de 4,2 milhões.
No total, feitas as contas, o custo total dos trabalhos terá um valor de 21,5 milhões de euros, mas o "investimento para o futuro" é de 19 milhões.
Quando é que o altar-palco vai estar pronto?
O contrato, assinado a 13 de janeiro deste ano, refere que a construtora tem 150 dias para executar o projeto após a consignação da obra. Feitas as contas, espera-se que o altar-palco esteja concluído no máximo entre junho e julho, com a CML a garantir que estará pronto entre maio e junho.
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