A corrida de Silverstone é uma das mais populares do campeonato mundial de Fórmula 1, levando a que, em média, 300 mil pessoas se desloquem ao circuito situado a pouco mais de 120 quilómetros de Londres. Não muito longe, mais ou menos a 20 minutos da pista, fica Brackley que, além de casas tipicamente inglesas, extensivos espaços verdes e estreitas estradas em que os carros circulam no sentido inverso ao que estamos habituados, é também onde podemos encontrar a residência oficial da equipa de F1 da Mercedes-AMG Petronas.
Quando cheguei à porta das instalações, a 30 de junho, estava o tempo caracteristicamente chuvoso das terras de Sua Majestade, que contrastava com o céu limpo com que tinha saído de Lisboa, pelo início da manhã. Era quinta-feira e estávamos na antecâmara de um fim-de-semana importante para a equipa que dominou o principal desporto motorizado nos últimos 8 anos, com oito títulos de construtores. O Grande Prémio de Grã-Bretanha começava no dia seguinte e os dois pilotos britânicos – o heptacampeão Lewis Hamilton e o mais jovem George Russell – tinham a responsabilidade acrescida de correr em casa, mesmo numa época em que as coisas não estão a correr tão de feição quanto as anteriores.
Todos os anos, esta é uma ocasião para a Mercedes fomentar a sua relação com sponsors e parceiros, seja no paddock (a base da equipa no circuito), seja no seu centro de operações em Brackley. Foi neste contexto que a marca alemã e um dos seus sponsors – a tecnológica também alemã TeamViewer – organizaram um evento aberto aos media de diferentes países, a quem deram a conhecer a Mercedes e a fábrica onde são construídos os seus carros de Fórmula 1 e a colaboração entre as duas organizações que pode colocar Hamilton ou Russell a verem a bandeira de xadrez mais cedo do que os seus adversários.
Desenvolver um carro vencedor
Até a série “Drive to Survive” da Netflix reavivar a paixão de muitos pela Fórmula 1 e trazer toda uma nova geração de fãs para o desporto, era comum ouvir-se que as corridas já não eram a mesma coisa. As razões intocadas eram várias. Uma delas era que a tecnologia e a qualidade dos carros já se sobrepunha ao talento dos pilotos; outra era que o desnível de orçamentos entre a equipas tornava a Fórmula 1 mais prevísivel do que em anos anteriores.
É uma visão discutível, porque sempre houve equipas dominadoras em diferentes alturas (Mclaren de Ayrton Senna, Ferrari de Shumacher, Red Bull de Vettel e, mais recentemente, a Mercedes de Hamilton, claro). E nestas equipas, sempre houve um fator dominante: conseguiram juntar o carro tecnologicamente mais capaz com o melhor piloto no circuito e obtendo resultados espetaculares.
Tão confidencial quanto a NASA
Portanto, a tecnologia sempre fez parte do desporto e não é um bicho-papão que só nas últimas duas décadas é que colocou os carros a fazerem coisas inimagináveis. Dito isto, entrar nas instalações da equipa de F1 da Mercedes é ganhar consciência de que a dimensão tecnológica atual do desporto está ao nível daquilo que é feito na NASA, quando constrói foguetões para ir ao espaço. Uma comparação igualmente válida ao nível da confidencialidade e do secretismo necessários para ganhar vantagem, no caso da NASA, às missões espaciais de outras nações e, no caso da Mercedes, às outras equipas com as quais compete. Por essa razão, os smartphones de todas as pessoas presentes na tour pela fábrica foram temporariamente confiscados, de modo a garantir que aquilo que acontecia em Brackley, não saía de Brackley.
E o que é que acontece em Brackley? Praticamente tudo o que antecede o momento em que as luzinhas vermelhas se apagam e dão início a cada corrida. Acompanhados por dois carismáticos elementos da equipa da Mercedes, assistimos primeiro a uma breve apresentação da Mercedes enquanto marca, desde os primeiros motores no final do século XIX até ao carro construído para a última temporada de F1. De seguida, durante uma hora e meia, circulámos pelas diferentes divisões da fábrica, onde mais de 1000 pessoas estão responsáveis por cada milímetro do carro.
Mais de um milhão de horas de testes
Primeiro ponto de observação: paragem para ver como são meticulosamente produzidas as peças colocadas no W13 (o nome do monolugar da Mercedes para 2022), do motor às componentes de aerodinâmica e estética do carro. Estas passam por mais de um milhão de horas de testes até serem consideradas aptas para poderem fazer parte da versão final dos carros que vão para cada Grande Prémio.
Passamos de seguida à área dos testes de stress, que são precisamente as zonas onde os carros (já com a maior das peças) são sujeitos a uma série de condicionantes para ver até onde aguentam. Esta é uma etapa particularmente interessante, até para quem visita e tem de colocar óculos de proteção não fosse algo saltar inesperadamente.
Uma última área, mais operacional, é a da equipa de design que imagina cada peça que vai para o carro e da equipa de marketing que trata de toda a comunicação e promoção da marca Mercedes F1 – sem esquecer a porta de saída da fábrica, por onde sai cada W13 pronto para ser pilotado.
A sala de operações é especialmente impressionante. Este é o espaço no qual 30 engenheiros da Mercedes se reúnem em cada momento importante de um Grande Prémio – treinos livres, qualificação e corrida – para servirem de elo de ligação entre a fábrica e a equipa que se desloca a cada circuito. Aqui, encontramos uma parede recheada de monitores com os diferentes ângulos da pista e vemos 30 secretárias compostas por um monitor, um teclado e um rádio composto por três botões vermelhos e três botões azuis, onde cada engenheiro pode:
1) entrar em contacto com a equipa no circuito,
2) falar com o engenheiro-chefe de cada piloto caso haja algum problema no carro
3) abordar diretamente cada piloto (apesar de estes casos serem mais raros)
Tudo isto independentemente dos milhares de quilómetros que os separem.
É neste tipo de colaboração remota que entra a tecnologia da TeamViewer.
Acesso aos carros em qualquer parte do mundo
Desde a sua criação, em 2005, que a TeamViewer é sinónimo de remoto. Primeiro como um produto e, mais tarde, como uma empresa independente, a sua solução-bandeira é o um software que permite o acesso e controlo remoto a computadores e dispositivos móveis em qualquer lado do mundo, como se estivesse junto dos mesmos.
Ao longo dos anos, a empresa foi-se ajustando àquilo que o mercado procurava e teve a sorte (e a capacidade também) de encontrar uma série fatores que fizeram com que o seu serviço fizesse cada vez mais sentido para empresas de vários setores. A globalização dos processos de produção e a procura de otimização na gestão de recursos tornaram-na apelativa para muitos produtores e retalhistas. A crescente melhoria da conectividade mundial fez com que a sua solução tivesse uma maior alcance e que funcionasse cada vez melhor. E, mais recentemente, a valorização de práticas sustentáveis com menos impacto no ambiente e a promoção de modelos de trabalho híbridos alavancados pela pandemia, deram um boost não só a esta solução da TeamViewer, mas também a outros dos seus serviços complementares.
Este é o roteiro que tem levado ao crescimento de uma empresa que muitos conhecem por ter a marca inscrita principal na camisola do Manchester United que Cristiano Ronaldo envergou durante a última temporada. Tanto a sponsorship ao clube inglês, como a parceria com a Mercedes, são símbolos de uma empresa que hoje é global e que quer apelar a todos os mercados. Foi essa visão apresentada pelo CEO da TeamViewer, Oliver Steil, na sala de conferências da Mercedes, em Brackley.
Além da vertente comunicacional, Steil partilhou que a aposta da empresa alemã é claramente poder estar presente em todas as etapas da cadeia de valor dos seus clientes. Por isso, para além do software que a tornou global, a TeamViewer conta também com soluções de cloud globais, com uma plataforma de analytics, um software de videoconferências (que torna mais interativa a colaboração através da partilha de ecrã, por exemplo) e ainda uma série de funcionalidades ligadas à realidade aumentada.
Como é que estas soluções são usadas na F1 pela Mercedes? Nas palavras de Michael Taylor, diretor de tecnologia da equipa de F1, é tanto na colaboração entre membros da equipa como nas experiências que podem dar a outros potenciais sponsors. Durante a pandemia, a Mercedes passou de ter 60 pessoas a trabalhar remotamente para cerca de 650. Isto obrigou a toda uma revolução na forma de trabalhar, na organização de processos e na forma como os seus engenheiros necessitaram de continuar a trabalhar nos carros sem, em muitos casos, se poderem deslocar ao local onde estavam a ser construídos.
Agora, o objetivo passa por encontrar formas de fomentar a colaboração em real-time entre as equipas da fábrica e as equipas que acompanham os pilotos pelo mundo, que coloquem a Mercedes mais perto de ganhar corridas.
TeamViewer, agora com ADN português
Desde maio de 2021, a TeamViewer passou a ter escritórios no Porto. A companhia alemã comprou a tecnológica portuguesa Hapibot Studio, que passou a integrar uma divisão de R&D da empresa, muito focada no design front-end de muitas das aplicações da TeamViewer, mas também em toda a área de inovação em realidade aumentada.
Sobre esta compra, Oliver Steil explicou que a decisão por Portugal prendeu-se com o talento que tem disponível em várias faculdades de norte a sul do país, com o ecossistema de startups, que pode funcionar como um bom mercado de teste para a empresa e, claro, o bom tempo e as incríveis paisagens.
Outra razão, menos óbvia, ajuda a perceber o posicionamento e a reputação que a TeamViewer quer construir e que se estende para além de parcerias com a Mercedes e com o Manchester United. Quando se desenvolve uma solução de acesso remoto a qualquer dispositivo, a confiança torna-se num aspeto fundamental do negócio, porque os slogans “From Anywhere. Anytime” (Em qualquer lado, a qualquer altura) e “Creating a world that works better” (Criar um mundo que funciona melhor) valem pouco se alguém ganhar o controlo indevido de um computador ou de uma máquina.
É essa a justificação para a TeamViewer querer ter todas as suas bases de operação na Europa, onde existem regras de privacidade e de proteção tecnológica mais exigentes, que servem como “selling point” cada vez que a TeamViewer inicia negociações com um cliente.
O Porto passou a fazer parte dessa oferta de valor. Atualmente, o grupo alemão conta com 620 mil clientes no mundo inteiro, já teve mais de 2.5 mil milhões de instalações de uma solução sua e apresentou 540 milhões de euros de receitas em 2021, um recorde da empresa. Números interessantes, numa corrida que parece ter acabado de começar.
Este artigo foi originalmente publicado na a newsletter Next que todas as semanas leva aos subscritores uma seleção das histórias de inovação em Portugal e no mundo.
O The Next Big Idea viajou para Londres a convite da TeamViewer.
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