A resposta da Google ao ChatGPT não teve o efeito auspicioso esperado. Não querendo ficar atrás na corrida da Inteligência Artificial (IA) ou a ficar a ver a rival Microsoft a distanciar-se neste departamento com a sua ligação à OpenAI, a tecnológica apresentou aquilo que pretender fazer no futuro com as suas novas funcionalidades com recurso à IA, nomeadamente o que aí vem e o que podemos esperar de ferramentas como a PaLM, Imagen, MusicLM ou LaMDA (um modelo de linguagem para aplicações de diálogo super-avançado).
Para agora, é esta última que interessa, pois é aquela que alimenta o seu novo chatbot, o Bard, de que trata este artigo e que a Google tratou de apresentar a meio da semana, mas diga-se que o anúncio não correu muito bem.
A intenção era demonstrar que o Bard "procura combinar a amplitude do conhecimento do mundo com o poder, inteligência e criatividade dos nossos [da Google] grandes modelos linguísticos". E para o fazer, exibiu um vídeo a resumir o que isto, na prática, quer dizer. Ou, melhor, um vídeo do Bard a explicar as novas descobertas do Telescópio Espacial James Webb da NASA a uma criança de 9 anos.
O problema? Havia um erro fatual na informação exposta no dito vídeo.
O erro
O material promocional do Bard, exposto no vídeo da Google e replicado na imagem acima, contém um erro factual na resposta do chatbot à pergunta "Que novas descobertas do telescópio espacial James Webb (JWST) posso contar à minha filha de nove anos?". É que o Bard sugere que o famoso telescópio, lançado em 2021, foi utilizado para tirar as primeiras fotografias de um planeta situado fora do sistema solar da Terra (os chamados exoplanetas).
E não foi, como rapidamente vários especialistas ligados à astrofísica deram conta.
Grant Tremblay, um astrofísico do Centro de Astrofísica dos EUA, foi um deles. No Twitter, afirmou ter "a certeza que o Bard será impressionante, mas para que conste: JWST não tirou a ‘primeira imagem de um planeta fora do nosso sistema solar'".
O mesmo deu a entender Bruce Macintosh, diretor do Observatório da Universidade da Califórnia. De acordo com o especialista, o próprio esteve envolvido na divulgação de uma "imagem de um exoplaneta 14 anos antes" do lançamento do James Webb.
A resposta correta não é difícil de encontrar e está no site da NASA. No artigo não só é explicado que as primeiras imagens de exoplanetas foram obtidas pelo VLT (Very Large Telescope) do Observatório Europeu do Sul, em 2004, como revela a primeira fotografia conhecida de um exoplaneta (cujo o nome oficial é "2M1207b").
Para uma empresa da dimensão da Google, e numa altura em que o ChatGPT está nas bocas do mundo, este erro dificilmente pode ser visto de outra maneira que não embaraçoso.
A resposta da Google
O primeiro meio de comunicação a dar a notícia do erro foi a Agência Reuters.
Em resposta, a Google sublinhou a necessidade de testar novos sistemas com base em IA, acrescentando que o Bard está agora nas mãos de uma equipa especializa cuja função é realizar testes e caçar erros deste tipo. No entanto, deu de conta que, pese embora seja necessário continuar a fazer testes, ainda não está disponível e aberto ao público.
"Isto enfatiza a importância de um rigoroso processo de testes, algo que estamos a iniciar esta semana com o nosso programa de testes de confiança", explicou um porta-voz do Google. "Nós vamos ter em conta o feedback externo e os nossos próprios testes internos para garantir que as respostas de Bard se enquadram num padrão de elevada de qualidade, segurança e fundamentação na informação do mundo real", concluiu.
Mas a resposta não impediu o pânico. E as ações tremeram. Muito. E certamente que causaram muitas dores de cabeça aos líderes da tecnológica. Mais concretamente, umas mil milhões delas. Isto porque o erro levou a que os investidores se apressassem a retirar o seu dinheiro do mercado e fizessem com que o valor da empresa-mãe do motor de busca, a Alphabet, caísse 100 mil milhões de dólares em bolsa.
O que motivou a correria? Os investidores temem que a Microsoft, que vai alimentar o seu motor de busca "Bing" com o ChatGPT, venha a prejudicar o negócio da Google. Receio que levou a que os títulos fechassem a 7,5%, mas a dada altura estiveram nos 9%, segundo o The Guardian.
O problema Microsoft / OpenAI
A apresentação em direto via livestreaming da Google, que decorreu na quarta-feira de manhã em Paris, não incluiu detalhes sobre como e quando a empresa pretende implementar o Bard no seu motor de busca. O que se sabe, no entanto, é que um dia antes, a Microsoft organizou um evento em que divulgou uma versão do seu Bing, já com as funções ChatGPT integradas — e aberto ao público, que já pode pedir para experimentar a versão BETA da ferramenta tal como acontece com o ChatGPT.
(De acordo com o New York Times, a conversa em torno dos motores de busca ficou novamente interessante.)
O ChatGPT é da responsabilidade de uma empresa chamada OpenAI, uma startup em quem a Microsoft investiu recentemente 10 mil milhões de dólares (depois de já investido mil milhões em 2019) e que apresentou ao mundo, em novembro de 2022, um software em que apenas dois meses chegou aos 100 milhões de utilizadores e que se tornou numa obsessão para os lados de Silicone Valley muito por culpa das suas respostas surpreendentemente precisas e bem escritas a pedidos simples (o que não quer dizer que seja infalível, que não precisem de edição ou que não contenham erros factuais como aquele cometido pelo Bard).
Só que como demonstrou a apresentação da Microsoft, as potencialidades de um ChatGPT aliadas a um motor de busca vão além de um pequeno texto. A intenção é para que se torne cada vez mais sensível às necessidades dos utilizadores e os ajude nas suas dúvidas e dia-a-dia. Por exemplo, vai ser possível obter respostas concretas num estilo de conversa como uma rotina de manutenção física ("dá-me uma lista de exercícios para fazer um treino em casa") ou até fazer o papel daquele "amigo especialista" a quem pedimos conselhos quando queremos comprar uma televisão nova ("tenho 500€ e quero uma televisão para jogar consola, qual a melhor para mim?").
Mas como nota a Axios, este episódio do Bard é só mais uma demonstração do interesse gerado pela Inteligência Artificial. É verdade que nos últimos anos estamos a assistir a um forte "empurrão" por parte das gigantes tecnológicas neste tipo de ferramentas, mas isso não quer dizer que o investimento tenha começado agora — é que as denominadas Big Tech estão a investir na IA há anos. No entanto, à boleia da loucura recente com o ChatGPT, a indústria está com um apetite voraz por um tipo específico de IA (de programas que produzem texto, imagens e outros conteúdos com um simples input dos utilizadores).
No fundo, um pouco à imagem de quando apareceu a Netflix a revolucionar o streaming e o modo como consumimos conteúdo de entretimento. De repente, ninguém quis ficar de fora.
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