Explorar o Espaço com máquinas auto-replicáveis

Imaginem que seríamos capazes de colonizar o espaço utilizando robots capazes de se auto-replicarem. Estas máquinas autónomas aterrariam num planeta e usariam os recursos locais como materiais para criarem cópias de si próprias. Em seguida, espalhar-se-iam novamente pelas estrelas, em busca de novos destinos, como uma infeção robótica viral.

Este é o conceito das sondas de von Neumann, homenagem ao matemático húngaro que postulou o conceito de computação auto-replicável. Este cientista não se dedicava ao espaço. O seu trabalho mais influente determina a forma como os nossos dispositivos computacionais funcionam, que são máquinas de Turing imperfeitas a correr a arquitetura de von Neumann.

As máquinas replicantes eram construtos matemáticos. Mas o conceito foi adaptado por cientistas, que viram nele uma solução para a exploração espacial a longo termo. Resta apenas saber como é que realmente funcionariam essas sondas. Sabe-se que seriam robots capazes de se replicar, mas como, com que tecnologias? Se a impressão 3D já existisse quando se começou a falar destas sondas, parte deste conceito seria muito menos difuso. As sondas de von Neumann poderiam imprimir em 3D as suas réplicas, a partir dos materiais que encontrassem nas superfícies planetárias. E isso, é algo que hoje já se investiga como fazer.

No Espaço, ninguém consegue ouvir o extrusor

Impressora 3D Made in Space

A impressão 3D no espaço ainda se encontra a dar os primeiros passos. Antevemos no futuro a capacidade de imprimir estruturas de habitats lunares e marcianos, ou estabelecer manufatura em órbita. O investimento científico e financeiro no uso desta tecnologia no contexto da exploração espacial está cada vez mais intenso.

Foi a empresa Made in Space que lançou a primeira iniciativa de impressão 3D no espaço, tendo desenvolvido uma impressora para testar capacidades de manufatura aditiva no espaço, possibilitando a longo prazo o sustentar de novas indústrias. Mas, a curto prazo, o seu objetivo é mais utilitário: racionalizar cargas a enviar para o espaço. Dispondo de impressoras 3D, os astronautas a bordo da Estação Espacial Internacional (ISS) podem imprimir objetos ou ferramentas que necessitem. Instalada na ISS, está a ser usada em diversas experiências de impressão com diferentes materiais em condições de microgravidade.

Se os americanos foram os pioneiros no desenvolvimento da impressão 3D no espaço, os europeus não se estão a deixar ficar para trás. A ESA está a desenvolver os projetos MELT e Imperial. O primeiro visou o desenvolvimento de uma impressora 3D capaz de imprimir em microgravidade. Já com o projeto Imperial estão a desenvolver-se metodologias de impressão de materiais avançados para uso no espaço. O desenvolvimento das impressoras está a cargo da BEEVERYCREATIVE, uma empresa portuguesa. Sediada em Aveiro, foi pioneira em Portugal no desenvolvimento de impressoras 3D.

Próximos passos: bioimpressão e fabricação orbital

Projeto Archinaut

Imprimir em órbita já é uma tecnologia comprovada. Resta explorar novas vertentes de manufatura aditiva. Um exemplo está no desenvolvimento de metodologias, biotintas e equipamentos de bioimpressão em microgravidade. E, com isso, a capacidade de imprimir tecido biológico ou osso. Estas tecnologias serão essenciais como apoio ao suporte de vida em missões espaciais de longa duração.

Podemos ir mais longe, e imprimir estruturas, facilitando a construção de infraestruturas orbitais. Agora, todos os componentes necessários para construir no espaço têm de ser enviados e montados. Enviando robots de impressão 3D e matéria prima para órbita diminuir-se-ia custos de missão e acelerar-se-ia a construção. A tecnologia de base já está ser desenvolvida pela Made In Space, com financiamento da NASA. Chama-se Archinaut, e prevê-se o lançamento em 2022. Este satélite será capaz de imprimir as suas próprias longarinas de suporte aos painéis solares.

Mesmo a venerável tecnologia que nos leva ao espaço está a ser transformada graças à impressão 3D. A ESA desenvolveu diversas peças estruturais e de motores impressas em titânio, com poupanças de material e ganhos de resistência. Peças impressas em 3D já são usadas nos foguetões e motores da Space X, Arianespace e Blue Origin. A Relativity Space está a desenvolver métodos para imprimir em 3D todo um foguetão e os seus motores, usando as tecnologias de manufatura aditiva para diminuir drasticamente o número de peças e o seu peso.

Lua e Marte: As próximas fronteiras da impressão 3D

O potencial das tecnologias de manufatura aditiva não passou despercebido a quem investiga planos de bases lunares e marcianas — algo ativamente estudado pela Agência Espacial Europeia.

Com ajuda dos arquitetos da Foster + Partners, especializados em mega estruturas, e da Monolite, empresa especialistas em impressoras 3D de grandes dimensões, desenvolveram-se tecnologias de impressão 3D de estruturas usando regolito lunar. Os investigadores da ESA desenvolveram um sucedâneo de composição química similar para aplicar na impressão. Nas instalações da ESTEC em Noordwijk está um bloco alveolado com uma tonelada e meia. Este é o protótipo para futuras estruturas de abrigo para astronautas na Lua, impressas em 3D.

A NASA tem os olhos firmemente colocados em Marte e desafiou empresas e universidades a participar no 3D-Printed Habitat Challenge. Durante uma semana, diversas equipas trabalharam na impressão 3D de um habitat. O projeto Marsha da AISpaceFactory, concebido para ser impresso com solo marciano, foi o vencedor desta competição.

A nova fronteira da impressão 3D

Ainda não estamos próximos da capacidade de construir sondas de von Neuman, mas os avanços na robótica e automação, combinados com inteligência artificial, permitem-nos construir máquinas com cada vez mais avançados níveis de autonomia. As tecnologias de impressão 3D, capazes de usar materiais autóctones, mostram o caminho da auto-replicação.

O potencial espacial da impressão 3D é enorme. Passa pela diminuição de custos das missões, bioimpressão para suporte de vida, e construção de estruturas em órbita. Talvez se consiga deslocar a manufatura para a órbita terrestre. E, num futuro que esperamos próximo, poderemos imprimir abrigos para astronautas na Lua e em Marte, usando o próprio solo destes astros como material.