A história foi contada por diversos dos seus protagonistas, com destaque para o cartógrafo e cronista italiano Antonio Pigafetta (1491-1534), que deixou um relato minucioso da expedição marítima que deu a volta ao mundo, mesmo que não tenha sido planeada para esse efeito.
Meio milénio depois, Portugal e Espanha associam-se nas celebrações desta “revolução conceptual”, com um mosaico de atividades diversas que se iniciaram este verão e se prolongam até 2022.
Na segunda metade do século XV, após a queda de Constantinopla em 1453, as rotas terrestres das especiarias ficam controladas pelos turcos otomanos. Os rivais reinos peninsulares intensificam a conquista dos oceanos em busca de novos mundos, e novas rotas. A “descoberta” da América em 1492 – o ano da queda do reino nasrida de Granada e da “unificação” de Espanha – demonstrava que o mundo não acabava num precipício, e que a “redondeza do mundo” poderia ser uma realidade.
Os progressos tecnológicos, a irrupção do Renascimento, e em particular a busca de riquezas, fornecem um contributo decisivo para estas novas façanhas.
Fernão de Magalhães (1480-1521), “de linhagem nobre e natural do Porto” segundo o historiador José Manuel Garcia, consegue convencer o jovem rei de Espanha Carlos I (e imperador Carlos V do Sacro Império Romano Germânico) a financiar uma expedição às cobiçadas Ilhas das Especiarias (em particular as Molucas, na atual Indonésia) rumando em direção a oeste.
Previamente, o rei português D. Manuel I tinha rejeitado esta sugestão do veterano navegante, que já se tinha aproximado dessas longínquas paragens nas suas expedições da segunda década do século XVI, quando viajou para leste, em direção ao Índico, ao serviço da coroa lusitana.
Em 1494, o Tratado de Tordesilhas assinado em Valladolid tinha dividido o “novo mundo” conhecido (e desconhecido) entre os reinos de Castela e Portugal, que repartiam os direitos de navegação e conquista, e que será revisto no Tratado de Saragoça (1529).
O caminho estava traçado para a “partilha do mundo” entre as monarquias peninsulares. Vasco da Gama tinha atingido a Índia por mar em 1498 e Pedro Álvares Cabral as costas do Brasil em 1500. Em 13 de agosto de 1521, pouco antes do início da viagem de circum-navegação, Tenochtitlan, capital do Império Mexica (Azteca), sucumbia perante Hernán Cortés, que se aliou a povos locais inimigos dos aztecas. E 12 anos depois os conquistadores espanhóis submetiam com o apoio de etnias locais o Império Inca com a entrada na sua capital, Cuzco.
Os dois reis pretendiam respeitar o convénio de Tordesilhas e evitar colisões nas respetivas “áreas de influência”, que se consolidavam. Contudo, permaneciam zonas de disputa, em particular as cobiçadas Ilhas das Especiarias.
Carlos I acabou por ser convencido por Magalhães a financiar o projeto de alcançar estas míticas ilhas, as únicas do mundo que produziam cravo, canela ou noz moscada, mercadorias muito procuradas na Europa, sem colidir com o “espaço português”, e mesmo que as Molucas fossem reivindicadas pelos dois reinos.
Em 20 de setembro de 1519, 40 dias após terem zarpado de Sevilha, as cinco naus (“Trinidad”, capitaneada por Fernão de Magalhães), “Concepción”, “San Antonio”, “Santiago” e “Victoria”, num total de 237 homens (incluindo 33 portugueses), iniciam a travessia oceânica em direção a oeste a partir de Sanlúcar de Barrameda, na foz do Guadalquivir.
A viagem foi atribulada. Ainda nas costas da atual Patagónia argentina, um grave motim quase comprometeu o projeto e Fernão de Magalhães foi implacável, ao mandar executar ou abandonar numa ilha deserta os mentores da rebelião, neste último caso o capitão Juan de Cartagena, que comandava a “San António”, e o clérigo Sánchez Reina.
Apesar das crescentes contrariedades, Fernão de Magalhães prossegue na busca de uma passagem na “Terra do Fogo” para o “Mar do Sul” – atual Pacífico –, avistado pela primeira vez por europeus pelo explorador espanhol Vasco Núñez de Balboa em 1513, no istmo do Panamá.
Esta “enorme extensão de água”, será designada por Fernão de Magalhães de Oceano Pacífico, que atinge por via marítima em novembro de 1520 através do famoso estreito que passará a ostentar o seu nome.
O prévio naufrágio da nau “Santiago” na baía de San Julián (Patagónia) e a deserção da “San António”, que no decurso das explorações no labirinto do estreito para alcançar os “Mar do Sul” decide regressar a Espanha, não demoveram o navegante português. Sem outra hipótese, decide-se na “fuga para a frente” após alcançar o Pacífico e prossegue o rumo em direção à linha do Equador e às Molucas para concluir a missão encomendada por Carlos V, futuro senhor do império “onde o sol nunca se põe”.
Durante três meses navegam neste oceano, que se verificou não ser “pacífico”, sem terra à vista, e com a tripulação assolada pelo calor, as calmarias, a fome, a sede, o escorbuto, que provocam razias. Após percorrerem 132.000 milhas, abastecem-se na atual ilha de Guam, nas Marianas, e por fim alcançam as Filipinas, a norte das Molucas mas sensivelmente à mesma longitude. Neste erro de cálculo, são os primeiros europeus a avistar estas paragens.
Fernão de Magalhães, também movido pela vontade de evangelizar os povos indígenas, incluindo pela força, será morto em 27 de abril de 1521 na ilha de Mactan no decurso de uma batalha desigual com forças locais comandadas por Lapu-Lapu, hoje considerado o primeiro herói filipino por ter sido o primeiro nativo a resistir à colonização imperial europeia. Juan Sebastián Elcano (1476-1526) ao comando da “Victoria”, assumirá o comando da expedição.
O reino português não deixou de reagir ao que considerava uma “intrusão” na sua “parte do mundo” e enviou uma expedição que capturou a nau “Trinidad” já fundeada nas Molucas. Antes, a “Concepcion” tinha sido abandonada e queimada na ilha de Bohol, Filipinas, por falta de tripulação.
As Molucas serão posteriormente adquiridas por Portugal à Espanha de Carlos V no reinado de D. João III, antes da chegada definitiva dos holandeses.
Apenas a nau “Victoria”, comandada por Elcano concluirá a viagem de circum-navegação do planeta, regressando a Espanha em 06 de setembro de 1522 por uma rota que tentou evitar as “águas portuguesas” do Índico. Em Sevilha, dos 237 tripulantes iniciais, desembarcaram 17 sobreviventes da primeira volta ao mundo por mar em 1.125 dias.
(Por: Pedro Caldeira Rodrigues da agência Lusa)
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