Em entrevista à Lusa, no final do concerto que deu em Sines, fascinado por tocar dentro de um castelo, o fundador dos Buraka Som Sistema explicou o que quer dizer quando diz que “Lisboa tem uma voz” no seu segundo álbum a solo, “Nosso”.

Influenciado pela “diversidade da comunidade artística” que o rodeia, Branko combina a eletrónica com a herança africana da cidade.

“É uma ideia de Lisboa enquanto um ‘melting pot’ de toda a cultura que fala português pelo mundo fora e um ponto de encontro que acaba não só por amplificar as outras culturas, mas como também, no meio da sua própria reciclagem, criar a sua linguagem nova e a sua versão de uma série de coisas que existem no universo dos países que falam português. Essa, para mim, é a voz de Lisboa”, concretiza.

Os afrodescendentes “têm a influência toda” nessa voz. “A comunhão das diversas culturas que vivem e coexistem na cidade acaba por criar um resultado e esse resultado passa por todas as pessoas e passa pela cidade em si”, constata o dj e produtor.

“Isso reflete-se e sente-se e acaba por falar e ter a sua própria linguagem musical. Todas as pessoas que fazem parte da cidade estão incluídas” nessa voz — pelo menos na que Branko regista.

E a cidade transforma-se numa “Nova Lisboa”, como canta Dino D’Santiago, que subiu ao palco com Branko, depois de, na véspera, ter entusiasmado o público no mesmo castelo, para tocarem juntos duas músicas: “Tudo certo” e “Nôs funaná”. Antes, o músico congolês-canadiano Pierre Kwenders também se juntou ao músico e produtor.

O “sangue novo” de Lisboa está vertido em “Nosso”, que conta com a participação de vários convidados — para além de Dino D’Santiago, Mallu Magalhães e Umi Cooper.

“As pessoas criam juntas e querem construir alguma coisa”, realça Branko, para constatar que “a cultura acaba por estar sempre um bocadinho à frente”, mas acreditando que “Portugal, socialmente, vai acabar por chegar também” à mesma direção.

Mas isso passará por “dores de crescimento”, que implicam reconhecer que os problemas — como o racismo — existem, para que possam “ser ultrapassados”, para se “continuar em frente”, observa.

“Existem muitos problemas, desde a educação até uma série de outras questões que são fulcrais, que têm que mudar na forma como nos sentimos portugueses”, defende.

A ideia de que Portugal é um país que recebe bem quem vem de fora “é um bocadinho aquele cliché, todos os países gostam de olhar para si próprios e pensarem que recebem bem”.

Mas essa “forma bonita de ver o mundo” não é assim tão, tão, tão verdade”, alerta. “Acho que recebe bem, sim, é verdade, mas o importante é a autoanálise e perceber uma série de questões e evoluir numa série de questões. Conseguir fazê-lo através da música, da cultura e de tudo isto é um passo muito importante”, considera.

Branko tem defendido a internacionalização do português na cena musical, não só do “português-língua”, mas do “português-forma-de-estar”. E não tem dúvidas de que Lisboa é uma das capitais da sonoridade da eletrónica mundial.

“Há muita coisa para acrescentar ainda, há muita coisa para dinamizar, muitas boas ideias musicais que ainda podem revolucionar imenso as cenas musicais todas do mundo fora, a pop mundial, como está a acontecer, por exemplo, neste momento, com a música latina, que já entrou completamente na pop mundial, ou como está a acontecer, mesmo em português, por exemplo, com uma cantora como a Anitta, que já entrou também completamente naquilo que é o formato pop mundial. Isso, para mim, é muito interessante e é um caminho ainda por traçar, que é super emocionante”, reconhece.

Quando percebeu que não havia ninguém para lançar a música que ele entendia ser importante, Branko criou a editora Enchufada.

“É um selo criado por necessidade”, que “acabou por se desenvolver e conquistar o seu próprio espaço dentro do universo da edição e da curadoria e criação de eventos”, assinala, “super orgulhoso de tudo aquilo que foi sendo traçado e construído”.

“Degrau a degrau, temos estado a introduzir uma série de conceitos, não digo novos nem diferentes, mas se calhar ninguém estava a falar neles ou a destacá-los”, sustenta.

O Festival Músicas do Mundo — onde Branko já tinha estado com os Buraka Som Sistema, que acabaram em 2016, e onde só agora se estreou a solo — continua hoje com Lucibela (Cabo Verde, 18:00); Susheela Raman (Reino Unido/Índia, 21:00); Chico César (Brasil, 22:15); Antibalas (EUA, 23:30); Omar Souleyman (Síria, 00:45); Rincon Sapiência (Brasil, 02:30); Shantel & Bucovina Club Orkestar (Alemanha, 03:45).

*Entrevista de Sofia Branco/Agência Lusa, com foto de Tiago Canhoto