As filmagens de “Salgueiro Maia – O Implicado” foram retomadas há cerca de duas semanas, depois de mais de dois meses paradas devido à pandemia covid-19, tendo sido gravada, no domingo, uma das cenas emblemáticas do 25 de Abril, quando os blindados, vindos de Santarém, montaram cerco aos ministérios, no Terreiro do Paço, em Lisboa.
A cena entre Tomás Alves e Paulo Calatré, interpretando o Brigadeiro Junqueira dos Reis, 2.º comandante da Região Militar de Lisboa, que se mantinha leal às forças da ditadura, foi gravada em vários ‘takes’, sob o olhar atento do realizador e de toda a produção do filme com um adereço comum a todos: máscaras.
Só mesmo durante a gravação da cena, os atores e figurantes foram dispensados do seu uso. Fora isso, impõem-se sempre as novas regras para a produção de cinema e audiovisual em Portugal, em tempo de covid-19.
Até o frente-a-frente de Salgueiro Maia e Junqueira dos Reis respeita as regras de distanciamento. O brigadeiro exige ao capitão de Abril, de lenço branco na mão, que se renda, e ordena também ao cabo, no topo do blindado, que dispare sobre Salgueiro Maia.
Este recusa, abandona o posto e segue em direção ao capitão. Exaltado, Junqueira dos Reis exige que os restantes soldados disparem, ordem que nenhum cumpre.
A sequência remete para um momento das primeiras horas da manhã de Abril, quando uma companhia de Cavalaria 7, comandada pelo brigadeiro Junqueira dos Reis, atinge a Ribeira das Naus. Dos relatos existentes, entre uma entrevista de Salgueiro Maia à historiadora Maria Manuela Cruzeiro, e testemunhos de militares, recolhidos pelo jornalista Adelino Gomes, resultam pontos comuns: Junqueira dos Reis dá ordem de disparo sobre as forças de Santarém, há um primeiro ato de recusa, pelo alferes Fernando Sottomayor, que é detido; uma segunda ordem de fogo também não é acatada pelo cabo Alves Costa.
“A cena é emblemática e [no filme] foi interpretada com alguma liberdade poética”, começou por dizer, à Lusa, o realizador Sérgio Graciano, adiantando que foi recriada um pouco da história, embora reconheça que “ninguém conta objetivamente aquilo que se passou, à exceção de Salgueiro Maia, talvez”.
Por isso, reconheceu que está interpretada à sua maneira, mostrando-se esperançoso que o público venha a gostar.
Sérgio Graciano confessou o “orgulho enorme” em poder retratar a vida “de um dos grande heróis da História de Portugal”, considerando, no entanto, que a homenagem já devia ter sido feita e “peca por tardia”.
“Surge, no entanto, numa altura em que faz mais sentido que apareça uma história sobre Salgueiro Maia, já que se trata de uma figura ímpar. É um orgulho retratar um dos principais responsáveis da [conquista da] liberdade e é suficiente para me sentir muito orgulhoso do que estou a fazer”, reconheceu.
Apesar de considerar que “faz sempre sentido dar muito valor à liberdade”, Sérgio Graciano observou que “agora mais que nunca”, pelo facto de se atravessar uma pandemia e de as pessoas terem ficado confinadas e de quarentena em casa.
“Se calhar a liberdade teve outro peso, e é altura certa para questioná-la, para sermos moderados, conscientes e, este filme, até vem ecoar um bocadinho para isso”, admitiu.
Os cuidados durante as filmagens são agora "muito diferentes", em relação ao período pré-pandemia, reconheceu o realizador, considerando que o facto de se usar máscara o dia todo “condiciona imenso”.
“Andamos no exterior ao calor, à chuva, é difícil. Não gosto nada, mas é necessário”, frisou.
De acordo com Sérgio Graciano, a rodagem “tem sido serena”, lembrando que as filmagens estavam para começar dois dias antes de ter sido decretado o estado de emergência (19 de março).
“Tínhamos um mês de ensaios, estávamos todos preparados para a rodagem. Retomámos três meses depois, o que deu para amadurecer mais um bocadinho as ideias”, explicou, avançando que as filmagens terminam “dentro de [algumas] semanas”. E só o tempo de montagem vai diminuir, para que a estreia venha a acontecer a 01 de outubro.
Tomás Alves reconheceu à Lusa o privilégio que é vestir a pele de Salgueiro Maia, contando que, quando recebeu a notícia de que ia ficar com o papel, ficou “de rastos, de nervos com toda a responsabilidade”.
“Exige muito trabalho e responsabilidade. Estamos todos a trabalhar para o mesmo, sinto-me muito acompanhado e está a ser muito bom. Foram dois meses na incerteza se ia acontecer ou não, e agora estamos aqui”, explicou.
Para o ator, “é estranho” ver as pessoas todas de máscara, mas reconheceu que há que ter “um cuidado acrescido, fazer um esforço extra (...), porque a qualquer momento uma coisa pode correr mal e põe em causa o filme e a saúde publica”.
O argumento do filme é de João Lacerda de Matos, a partir de uma biografia assinada por António de Sousa Duarte sobre o 'capitão de Abril'.
Presente na filmagem, António de Sousa Duarte confessou ser a concretização “do sonho de uma vida” o facto de a biografia ser ponto de partida para o filme.
“Para mim é uma sensação brutal e desafiante ver o meu livro transformado num filme. Como dizia [a escritora] Sofia de Mello Breyner, é um homem que tudo deu e nada quis”, recordou, reconhecendo que Salgueiro Maia se tornou na figura mais marcante da sua vida, ao conhecê-lo durante o cumprimento o serviço militar obrigatório.
Fernando Salgueiro Maia nasceu em Castelo de Vide, em 1944, fez campanhas militares em Moçambique e na Guiné-Bissau, tendo ascendido ao posto de capitão, em 1971.
Como delegado da Arma de Cavalaria, fez parte da Comissão Coordenadora do Movimento das Forças Armadas (MFA).
Em 25 de Abril de 1974, comandou a coluna militar que, partindo da Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, ocupou a Praça do Comércio e cercou o Quartel do Carmo, em Lisboa, levando à rendição do então presidente do Conselho, Marcello Caetano, e à definitiva queda da ditadura do Estado Novo.
Morreu a 03 de abril de 1992, aos 47 anos.
"Salgueiro Maia - o Implicado" é coproduzido com a RTP e a colombiana 11:11 Films & Tv e tem apoios do Instituto do Cinema e do Audiovisual, do Turismo de Portugal e da Câmara Municipal de Lisboa.
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