Foi na Companhia Olga Roriz, espaço onde ensaia para o concerto no Coliseu de Lisboa, a 12 de dezembro, que o encontrámos. Uma conversa que começou pela troca de experiências sobre a fiabilidade de gravações no Dictafone, aplicação do iPhone para registo de áudio, e que Conan usa recorrentemente para gravar algumas vozes que depois dão origem a temas  aconteceu com “Telemóveis”.

Conan Osiris é Tiago Miranda, e muito se escreveu sobre ele este ano. Da participação no Festival da Canção, que venceu, à ida à Eurovisão, em Telavive, incendiou reações. Recebeu o prémio de Artista Revelação nos Play - Prémios da Música Portuguesa e duas nomeações para os Globos de Ouro, nas categorias de revelação do ano e melhor intérprete. O seu percurso artístico foi contado em “Conan, O Rapaz do Futuro”, documentário da RTP, representou a indústria da confeção portuguesa em Paris e estreou-se recentemente na China.

Mas isto não é o “ano Conan” em revista. É uma entrevista com todas as perguntas que lhe quisemos fazer ao longo do ano.

‘Olhem pessoal, eu sou adaptável. 'Tá tranquilo. Se me enviarem alguma coisa é muito provável que eu até curta. Vamos lá'.

O concerto no Coliseu de Lisboa marca o fim de um ciclo?

Fim de ciclo no sentido em que... Tens artistas que lhes arranjam as músicas e eles andam a cantar aquele disco, aquele single e, passado algum tempo, arranjam-lhes outras músicas. Eu já estou a conviver com as músicas que ando a tocar desde que as comecei a fazer. Este Coliseu é quase uma celebração... É quase como se fosse um casamento de um namoro que nasceu no fim de 2017. Um namoro que se prolongou durante estes dois anos e que dá agora em casamento. Depois, eventualmente, podemos começar a abrir a relação e explorar outras coisas.

Falaste em músicos que cantam temas compostos por outras pessoas quando todos os teus temas são escritos por ti. Estás disposto a cantar algo que não seja teu?

Poderia estar. Às vezes vejo que é difícil para as pessoas interagirem comigo ao nível artístico ou em colaborações. Porque há pessoas que têm bastante coragem e abordam-me, mas há outras que pensam que não sabem como encaixar com a minha cena. Consideram que a minha cena é tão específica que têm medo desse contacto. Essa é das coisas que mais quero desconstruir. Abrir um bocado a caixa: ‘Olhem pessoal, eu sou adaptável. 'Tá tranquilo. Se me enviarem alguma coisa é muito provável que eu até curta. Vamos lá'.

Isso faria com que não tivesses de responder às possíveis interpretações das tuas letras, algo recorrente.

Exato. Aí dizia só: 'Não sei, não fui eu que a escrevi'.

Estás cansado deste tipo de perguntas ou de te fazerem sempre as mesmas?

Honestamente, cada vez que faço uma entrevista estou tipo: 'surpreendam-me'. Gosto quando há uma abordagem diferente, mas que ainda seja genuína. Aí a entrevista acaba por dar mais frutos.

Ouvi-te recentemente na Prova Oral, na Antena 3, e uma das coisas que referiste foi que agora gostavas de falar de coisas mais sérias. Não te perguntarem por temas mais sérios pode ser explicado pelas respostas que foste dando em entrevistas?

Acredito que sim. Entendo que as minhas letras possam ter um teor humorístico. Tipo, toda a gente sabe e toda a gente entende que eu adoro divertir-me e levar a vida com a relatividade que ela tem. Mas sinto que depois há muito essa habituação dos próprios órgãos [de comunicação]. 'Já sabemos que com ele vai ser uma coisa divertida, não precisamos de ir para um tema muito profundo'. Ou o contrário. Às vezes acabam por assumir que é só profundidade e não há espaço para muita brincadeira. Há muito essa polarização. As pessoas ou veem-me como [alguém] super sério e profundo ou como [alguém] que não é para ser levado a sério. Acaba por ser estranho e quase raro quando há algum tipo de órgão [de comunicação] que consegue ficar ali no meio, entre uma coisa e outra.

Porque esse 'meio' és tu?

Exatamente, ya.

Sobre a tua ida à Eurovisão, em Israel, e sobre vários pedidos, nomeadamente a carta de Roger Waters, para que boicotasses o festival e não fosses. Nessa conversa na rádio achei interessante o facto de dizeres que precisavas de ir a Telavive e ver com os teus próprios olhos. Que precisavas disso para retirares as tuas próprias conclusões. Mas não chegaste a dizer quais, e é isso que te pergunto.

A conclusão é a de que há problemas políticos e sociais que ficam enraizados nas pessoas e em certos sítios. Chegas a um ponto em que nada é justo. Embora as coisas tenham uma origem, as pessoas, sobretudo as mais novas, são apanhadas num turbilhão educacional do qual não conseguem escapar. Por muito que consigas, historicamente, ver as relações que as coisas têm e quem começou, o quê e onde, cada vez que andas mais para trás: 'ah, sim, mas!'. Começas a entrar num jogo de 'x-parte' fez isto, mas 'y-parte' já tinha feito aquilo. Ficas num loop. E é só uma questão de tirania educacional, no fundo.

Eu já existia antes do festival, embora ele me tenha ajudado bastante

A tua atuação foi ou não foi uma mensagem política? As cores representavam ou não as da bandeira da Palestina?

Isso já está mega confirmado.

Está?

Logo desde a segunda performance, quando troquei para o branco, depois de ter usado preto, vi posts no Twitter com pessoal que tinha feito mega mega teorias. Lá está, por muito que não queiras tomar uma posição, ou por muito que tu ainda não saibas sem estudar mais o assunto que posição tomar, ou o que está certo ou está errado, há sempre o fenómeno de quem tem mais voz. A partir do momento em que te é proibido falar ou mostrar certas coisas, isso precisa de uma voz. E a forma como levei os fatos, claramente diz isso. 

...

Comprei uma chave num mercado. Os palestinianos têm como símbolo máximo do 'right of return' a chave. Simboliza a chave da casa original para a qual não podem voltar. E o mais caricato é ires a um mercado da Cidade Santa e haver barraquinhas onde têm chaves. A partir do momento em que quis comprar a chave, o vendedor ficou: 'ah okay, queres comprar, sabes o que significa'. Mas nada disto foi falado [entre nós], foi do tipo: 'está aqui'. Por isso quis que a minha mensagem fosse tão subliminar quando isso. Eles têm lá as coisas, ninguém os proíbe de vender as chaves. Estão lá. Quem sabe, compra; quem não sabe, é como se fosse uma chave qualquer que não tem nenhum significado. E isso é fixe. O facto de ser subliminar acaba por fazer as pessoas questionarem mais. E a minha mensagem era essa: vão procurar a simbologia. Não tem de ser uma cena: 'Free Palestine'.

Não tens medo de ficar apenas associado ao Festival da Canção ou da Eurovisão?

Teria se tivesse surgido do nada, com uma música, e não tivesse feito antes sessenta e tal shows. Eu já existia antes do festival, embora ele me tenha ajudado bastante.

Só sinto que uma música está acabada quando eu a consigo dançar. E é por isso que a dança é tão importante para a minha música

Porque é que estamos a fazer a entrevista neste espaço, na Companhia Olga Roriz?

Estamos a fazer aqui, porque é aqui que estamos a ensaiar para o Coliseu.

E o que é que podemos esperar desse concerto?

Como este espaço indica, bastante dança. Embora o meu show com o João explorasse bastante a dança livre, o freestyle, porque gostamos de dançar assim, também temos muita a cultura da coreografia. E quisemos dar esse passo agora. Quisemos efetivamente desenhar coreografias.

Esta pergunta tinha segunda intenções, e queria chegar exatamente ao João. O João faz parte daquilo a que nos referimos como Conan Osiris? Sentes isso, que o Conan não és só tu?

A nível de perceção visual, dos media e de quem consome a minha música... Quando consomem a minha música provavelmente não pensam no João. Ou, então pensam, porque já foram a algum show ou viram algum vídeo e ele está sempre presente na parte visual. E é também isso que queremos desconstruir com este show [no Coliseu]. O facto de convidar outros bailarinos, de ter momentos super diversos... Não quer dizer que eu e o João acabámos, de todo, mas significa que também temos espaço e suporte para abraçar outro tipo de formação ou apresentação visual. Somos pessoas individuais. Quando eu construo uma música faço-o com a linguagem da dança. Só sinto que uma música está acabada quando eu a consigo dançar. E é por isso que a dança é tão importante para a minha música. A minha música sem dança não existe.

O formato 360º em que irás atuar também dá uma maior liberdade a essa expressão.

Foi um desafio, até porque tivemos bastante limitações. Relacionadas com o espaço e com a agenda. Mas estamos a ir. 

créditos: Mafalda Pombo Lopes

Acho que na música portuguesa cada vez se pensa mais na componente visual e numa noção do concerto como espetáculo. De luz, cor, movimento, vídeo, adereços de palco, etc. Depois de outras barreiras que já quebraste, estás disposto a fazer diferente também neste campo?

Não quer dizer que não pesquisemos ou que não tenhamos as ideias só que às vezes efetua-las [em Portugal] é um entrave. Mas estamos a trabalhar para isso. Tens exemplos disso, a Blaya tem um show super intenso com montes de cenas e bailarinos. 

Passa muito por aí... Imagina, eu vou ao Coliseu e não tenho nenhum videoclip oficial. Isto é bué caricato. Estamos num mundo onde o consumo de música é super visual. A maioria dos artistas começa, agora, no YouTube. Música e vídeo. Nós vivemos da imagem, somos seres ópticos. O facto de não ter um vídeo oficial também me excita para a próxima fase. 'Wow, cheguei aqui sem um vídeo. Se fizer um como é que vai ser?'. 

Todas as comparações que te têm feito, nomeadamente com o António Variações, são benéficas ou limitativas?

Já passei por várias fases com essa comparação. Primeiro achava sempre super benéfica, embora às vezes não fosse. Depois, passei a ficar um bocado farto, porque comecei a comparar-me e vi que era injusto também para mim. Cada caminho é um caminho... E hoje em dia vejo que tanto é injusto para ele como para mim. Estamos a falar de uma pessoa que não está cá para dizer se realmente se identifica com isso ou não. Se for uma comparação construtiva, tanto para mim como para ele, tranquilo. Se for uma comparação para estarem a dizer coisas como 'vamos lá ver se também não apanhas SIDA’, não.

Às vezes não digo pão, só digo merda. Literalmente. Outras vezes, como agora, estou bué tranquilo e bué eloquente

Quando o teu nome se tornou maior, com o Festival da Canção, os comentários não eram todos positivos, talvez fruto das características e da audiência do próprio festival. Mas muitos músicos saíram em tua defesa, entre elas a Ana Moura e  a Carolina Deslandes.

E o Pedro Abrunhosa, que eu fiquei tipo what the fuck.

Isso ajudou-te, de alguma forma?

Nunca tenho muita noção da totalidade do que estás a falar, do quão negativo foi. Porque tenho a regra de não ler os comentários no YouTube e muito menos no Facebook — aliás, a partir do momento em que lancei o "Adoro Bolos", bazei do face.

O que é que isso me ajudou a entender? Para mim, eu era o músico que fazia músicas em casa e eles os artistas verdadeiros. Eles saírem em minha defesa e em meu apoio valida a minha experiência como músico ou como artista. É super positivo para mim. Não sei se muda a perceção das outras pessoas, mas reconforta-me.

Quando ganhaste alguma projeção e quando começaste a dar entrevistas a mais meios, houve quem me perguntasse: ’ele é mesmo assim ou é uma personagem?'. Como é que tu respondes a essa pergunta?

Podemos ver isto de uma forma mais superficial ou mais profunda. Às vezes não digo pão, só digo merda. Literalmente. Outras vezes, como agora, estou bué tranquilo e bué eloquente.

Eu acho que as pessoas estão sempre à procura... Aconteceu há pouco tempo com a Joacine [Katar Moreira, deputada do Livre]. 'Afinal ela é gaga ou não é gaga?'. As pessoas não são sempre exatamente a mesma coisa. As pessoas que são sempre exatamente a mesma coisa é que são uma personagem. Porque inventaram uma personagem para ser, para dizer sempre a mesma coisa, para entrar e sair à mesma hora do mesmo sítio, a lidar com as mesmas pessoas da mesma forma... Essa é a personagem que inventaram para se protegerem. Eu sei, o mundo é bué lixado e às vezes temos de fazer personagens. Se alguém é uma personagem é essa pessoa que fala e age sempre igual. É isto. Period.