A publicação do livro em 1972 causou escândalo e levou as autoras à barra do tribunal, um processo que só terminou depois da revolução de Abril de 1974, com a sua absolvição, a 07 de maio desse ano.
As autoras foram levadas à barra do tribunal acusadas de terem escrito um livro com “conteúdo insanavelmente pornográfico e atentatório da moral pública”, recorda a editora do Grupo LeYa.
Após três dias da publicação de “Novas Cartas Portuguesas”, em abril de 1972, os exemplares foram apreendidos por ordem da Censura do Estado Novo e destruídos.
O livro assumiu-se como um protesto de revolta contra o regime ditatorial que vigorou em Portugal entre 1926 e a revolução de Abril.
As cartas de amor da freira alentejana Mariana Alcoforado dirigidas a um oficial francês serviram de mote às três autoras para denunciarem a guerra colonial que ceifava centenas de vidas, maioritariamente jovens, e as opressões impostas às mulheres, sujeitas a um sistema judicial persecutório.
As Publicações D. Quixote qualificam "Novas Cartas Portuguesas" como uma “obra intemporal”.
Na sentença do tribunal, saída a 07 de maio de 1974, que retira as acusações às três escritoras, pode ler-se que “o livro não é pornográfico nem imoral, pelo contrário, é uma obra de arte, de elevado nível, na sequência de outros que as autoras já produziram”.
A ex-primeira-ministra Maria de Lourdes Pintasilgo (1930-2004), nos prefácios de uma edição da obra publicada em 1980, e incluídos nesta nova versão, corroborada pela poeta Ana Luísa Amaral, estudiosa da obra e professora na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, confirmava a contemporaneidade de “Novas Cartas Portuguesas”.
As “Novas Cartas Portuguesas”, escreveu Pintasilgo, "inauguraram um novo tempo na corrente literária do neofeminismo”, constituindo-se como “uma forma nova de dizer a pessoa humana e o seu modo de estar no mundo”.
A nova edição, em capa dura, das “Novas Cartas Portuguesas”, a sair na próxima terça-feira, é coordenada por Ana Luísa Amaral e prefaciada por Maria de Lourdes Pintasilgo, e inclui “um caderno com fotografias de Jorge Horta, irmão de Maria Teresa Horta, que acompanhou de perto diversos momentos daquele tempo e o processo judicial de que as autoras foram alvo”.
A obra só conheceria uma segunda edição em 1974, após a Revolução de 25 de Abril, prefaciada por Maria de Lourdes Pintasilgo, que seis anos depois, em 1980, assinaria o pré-prefácio e o prefácio da terceira edição, agora recuperados .
Engenheira química, política e a única mulher que desempenhou o cargo de primeira-ministra em Portugal (julho de 1979 a janeiro de 1980), Maria de Lourdes Pintasilgo considerou que “é tal a rotura introduzida pelas ‘Novas Cartas Portuguesas’ que a sua primeira abordagem só pode ser feita à luz do que elas não são”.
Também na próxima terça-feira, entre as 16:00 e as 18:00, no Salão Nobre do Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, acontecem as “Conversas sobre as Novas Cartas”, com moderação de Sofia Branco.
Na conversa literária participam a professora universitária Marinela Freitas, a escritora Inês Pedrosa e o jornalista e escritor Pedro Vieira, enquanto na conversa política participam a investigadora Helena Neves, o diplomata Américo Bárbara, que foi advogado das autoras no processo judicial, e a dramaturga Maria Gil.
Na Sala Estúdio do D. Maria II está em cena até quarta-feira o espetáculo “Ai Marianas”, que resgata “As novas cartas portuguesas” e o julgamento das suas autoras, e pretende mostrar a voz política e literária de uma obra que, “estranhamente”, ao fim de 50 anos, ainda é desconhecida.
Com criação e dramaturgia de Catarina Rôlo Salgueiro e Leonor Buescu, a peça, construída a partir de textos da obra escrita por Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, conhecidas como “as três Marias”.
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