Editado esta sexta-feira, “Fragmentos” é o nome do primeiro LP de Janeiro. O título tem dois sentidos, explica o músico. "Retrata uma busca a nível musical, podes ouvir um blues ou jazz mas percebes que é Janeiro, e ao mesmo tempo são pedaços da minha vida".

Cantado em português e composto por 12 temas, conta com duas faixas já conhecidas do público, “Canção Para Ti” e “(sem título)”, esta última que compôs e interpretou na última edição do Festival RTP Canção a convite de Salvador Sobral. Foi precisamente nessa altura, a dias da final, que o músico esteve à conversa com o SAPO24: de Coimbra ao Hot Clube, de Salvador às Janeiro Sessions, do Festival à banana.

Gravado em vários sítios, desde os estúdios da Valentim de Carvalho até um home studio improvisado num apartamento em Alcântara, “Fragmentos” já estava a ser preparado há mais dois anos, num longo e "quase solitário" processo, e que sai num momento em que já "há um devido distanciamento do Festival da Canção". Mas não só por isso, conta, "queria que ele estivesse cá fora no verão, para dar azo aquelas roadtrips". "Gostava que este fosse o disco 'do teu verão' e que as pessoas associassem as canções às suas memórias".

"Fragmentos", editado pela Sony Music, será apresentado esta sexta-feira na Pensão Amor, em Lisboa, pelas às 18h30. Num showcase em formato acústico, sem banda, onde o músico se juntará no final ao público para falar sobre as canções e, quem sabe, beber um copo. A entrada é gratuita, mas limitada à lotação do local.

Num futuro próximo, poderemos vê-lo noutros palcos — como do MEO Marés Vivas e as FNAC — e acompanhado dos músicos João Hasselberg, no baixo, Ariel Rosa, na bateria, e Iggy Salgueiro, nas teclas.

"Estou muito contente com o disco, ainda estou um pouco embasbacado", diz-nos, antes de o apresentar faixa a faixa sem segredos.

"Fragamentos" | Faixa a faixa por Janeiro

Toma Coisas Para Viver
A canção fala de uma pessoa com quem estive. É simultaneamente um aviso e um elogio. É quase como dizer liberta-te, mas sê o que és porque eu gosto. Tanto estou a dizer "Se não tens nada para dizer / Toma coisas para viver", como digo "Tu abres terra entre os mares / passas por mim, sorris, dizes que sim / e eu vagueio na minha mente". Quase que é uma dicotomia.

Preguiça
É uma reflexão sobre o cansaço que é viver e ao mesmo tempo a personificação disso numa mulher. Ou seja, pegares num conceito e personificares numa pessoa. Digo "Danças singela na minha rua / e eu sem te querer agarrar / entras pela janela e ficas quase nua". O tema era para se chamar "Menina Preguiça". Reflete um pouco aquilo que sinto quase todos os dias.

(sem título)
Já falámos sobre ela [a propósito do Festival da Canção]. O que ouviram antes foi voz ao vivo, aqui ouves na Valentim.

Horas
Também tem uma história engraçada. Eu estou sempre a chegar atrasado a todo o lado. Esta canção já surgiu há cerca de quatro anos e nessa altura isso estava mais vincado. É quase um libertar-me... que tenho com o tempo uma relação meio estranha. Ou chego muito atrasado ou muito adiantado. O tempo é uma criação nossa e estamos quase sempre em contra-relógio. Por isso, é quase um desabafo. "Todos me perguntam pelas horas / e eu só sei das demoras". 

#Trip1, #Trip2, #Trip3
São improvisos em estúdio, sem conteúdo lírico. Por isso nem há grande história, para nenhuma das três. Resultam de momentos como aqueles em que o técnico de som está a beber café e nós improvisamos. Decidi ir buscar esses out-takes e nem mistura tem. Queria que se sentisse a diferença, a ruffness da cena. Ouve-se a malta a falar, lá ao fundo. Podem chamá-los de interlúdios improvisados, que são isso que são.

Teu Ar Ruim
Os únicos versos que não foram escritos por mim em todo o disco surgem nesta canção. "Mostras-me os teus segredos / vou-me entregar na tua mão / queres que esconda os meus medos / queres entender a solidão". Já os tinha guardado há muito tempo e são de um amigo meu, o Luís. Não há grande história, é uma canção de amor.

Bonus Track
É uma viagem e é claramente a canção mais eletrónica do disco. Estive até ao final a tentar perceber se a colocava no disco ou não. A meio tem uma melodia que fiz junto ao rio, com a guitarra e com o Sal [Salvador Sobral]. Cheguei com ela a casa e fiz-lhe a letra. "Caí no amor contigo / e não culpei a gravidade / se caísse sem ti eu diria 'seria de verdade?'. Só assim. Sempre achei piada à expressão em inglês, "fall in love". Quando 'cais no amor' ficas cego e surdo. 

Canção Para Ti
É claramente uma canção de desamor e sou eu a escrever diretamente à pessoa com quem acabei a relação. Nem devia estar a explicar desta forma, até porque gosto de abrir um bocadinho a interpretação a quem a ouve.

Temos Tanta Paixão
É uma canção muito antiga e é novamente um desabafo. Desta vez sobre quando estás numa relação e a outra pessoa não quer estar contigo. E se diz "mas nós temos tanto para dar". Resolvi cruzar esta canção, que já tenho para aí há uns cinco anos, com um poema que do Álvaro de Campos, a Tabacaria.

Casal Banal
Não sei se já perceberam, mas só falo de relações. O amor é uma parte muito importante da minha vida. E o desamor, também. Este é um relato das pessoas à minha volta e da forma como as vejo a comunicar. Digo "Ele quando chega pensas sempre que é o tal / mas enquanto fica vai-se tornando pouco a pouco banal". Aquela ideia de que todos os casais são iguais, logo eu próprio [numa relação] também o vou ser. Todos são banais, então não há nenhum especial. Um pouco também a ideia de que a sociedade cria prazos. "Não, agora vou ter de ir viver com alguém". Não estou só a caricaturar os outros casais, eu próprio entro neste loop gigante. 

Desassossegado
Novamente sobre uma relação. "Havia tanto para contar mas nada para dizer / Era contigo que queria estar / era sem ti que queria viver". Dá um pouco força aquilo que disse antes. Do estar com uma pessoa tanto tempo que a certa altura crias um amor-ódio. E quando digo desassossegado refiro-me a tentar encontrar a forma ideal de estar com uma pessoa. Agora já vivo um pouco mais tranquilo, menos preocupado com estas coisas e mais com o presente.

Contas No Estrangeiro
É uma canção que procura aliviar a culpa. Esta e a próxima são duas canções em jeito de final.

Manhã
Muito autobiográfica e chega como uma  reflexão sobre o disco todo. Sou muito noctívago, então os meus dias acabam nas manhãs. É um bocado complicado, mas é como se tentasse colocar numa canção toda a minha vida, especialmente quando ela é breve. Para além de todas as vivências expressas ao longo do disco. Este é um álbum para picar, até podemos começar a ouvir nesta. Sinto que há uma coesão a nível lírico e melódico, mas gostava que quem o ouvisse pudessem encarar cada tema como um single.