Esta conversa podia ter acabado mal. Ou nem ter começado. A revelação foi feita assim que Tiago Bettencourt foi adicionado à janela do direto (que pode recordar neste vídeo).
Aparentemente, até esta sexta-feira, um 'bug' impedia-o de ter imagem neste formato de live. "Era preciso vir alguém estabelecer ordem na tua vida, folgo muito em saber que esse alguém sou eu", respondeu Úria.
Estava lançado o tom, sem guião e sem filtros, para mais uma "Conversas de roupão com Samuel Úria". Ontem, excecionalmente, de pijama. E por uma boa razão.
Um roupão da Expo98 e uma história "de fazer chorar as pedras da calçada"
"Tinhas um roupão, mas ofereceste a uma menina sem abrigo de Gondomar, de seu nome Cláudia Pascoal", disse Úria. Hum?
Aqui havia história, e Cláudia, se nos estás a ler, precisamos de prova da existência desse adereço.
"Quando estávamos a ensaiar para o álbum da Cláudia, ela veio cá a casa com um saco da Expo98. O meu pai tem a mania de me dar tralha e como eu não tinha roupão, porque nunca sei bem quando o usar, deu-me um de banho que dizia Expo98 atrás. Ela ficou tão feliz quando o viu que lhe disse para ficar com ele".
"O meu estilo de vida sempre foi a quarentena"
Depois do 'onde é que tu estavas no 25 de Abril?', a questão de Artista Bastos, imortalizada por Herman José, o 'o que fizeste na quarentena', por Samuel Úria.
Ora, a rotina de Tiago não mudou muito. "O meu estilo de vida sempre foi a quarentena", respondeu. Mas "a certa altura fez-me falta beber uns copos com os amigos, e estar com os meus pais e sobrinhos mais à vontade", revelou depois.
"Como estive sempre a trabalhar, os dias passaram muito rápido. Não sofri assim tanto com esta quarentena (...) Não me fez confusão não dar concertos. Estou a gravar disco, que tive de adiar um bocadinho. A ideia era dar concertos ao mesmo tempo que o álbum saía. Mas estamos a tentar adaptá-la".
Tiago 'Nostradamus' Na Toca
A iniciativa "Tiago na Toca" não é nova, mas agora renasceu com uma finalidade especial — "tentar juntar dinheiro para dar à minha banda e equipa, que ficaram sem trabalho", no Instagram.
Talvez por parecer um projeto criado para o agora, Úria ligou-o a uma corrente conspirativa que tem tentado lançar nestas conversas. "Quando as pessoas que têm coisas anteriores a este estado, mas cujas atividades e títulos encaixam perfeitamente naquilo que estamos a viver, suspeito sempre que esta pandemia foi um inside job".
Tiago defendeu-se comparando-se ao médico francês que ficou famoso pela sua suposta capacidade de prever o futuro. "O Tiago na Toca tem quase 10 anos, pelo que me qualifica como o novo Nostradamus", disse.
Agora, a sério.
"Quando gravei o meu primeiro disco a solo fiquei fascinado com o processo de gravação [em casa], utilizando o espaço e os sons de que não estamos à espera. Nessa altura ainda não era fácil gravar coisas em casa e um amigo, que estava a montar um estúdio, emprestou-me um microfone russo com o qual gravei tudo do 'Tiago na Toca'. Gravámos tudo em minha casa, convidei o Camané, a Dalila, o Fernando Tordo... Foi uma brincadeira que acabou por ser um estudo sobre acústica, de quem não sabia nada sobre som".
E com um conceito: "Fui buscar poetas que me fizeram começar a escrever; muitos do fado, outros que descobri nos livros do meu pai. Foi um projeto que me deu muito prazer".
Sobre a exploração da poesia
[Parece que há aqui um tema que Úria ficou a remoer desde a conversa com Gisela João]
"Achas que todos os poemas que são bons são passíveis de serem musicados, e todas as boas letras de canções podem ser lidas como qualquer poema? Será que a forma é assim tão linear, e o que é bom funciona com ou sem música?", perguntou o músico de Tondela.
A reposta veio com uma condicionante. Tiago Bettencourt aceitou dar o seu ponto de vista se o inquiridor desse também o seu.
"No 'Tiago na Toca', uma das lições que tirei foi que qualquer poema pode ser musicado, por mais estranho que seja. A certa altura estava a atirar-me para poemas que nem sequer tinham grande rima e tinham uma métrica estranhíssima. Se insistires, acabas sempre por encontrar um caminho, por mais estranho que seja".
E disse mais, com um twist no final.
"O contrário... também diria que sim. Vai depender um bocado do conceito da canção. Já me vi a fazer canções com letras um bocado básicas, canções mais cínicas, que sei que o poema em si não é o mais forte do mundo sem música. A 'A Canção Simples' é um desses exemplos. Tive uma namorada que gostava de um artista de quem eu não gostava nada. Dizia-lhe: 'esse gajo só escreve clichés'. E ela respondia: 'clichés às vezes também são bons'. 'Ai é?', disse. 'Então vou fazer uma música que são só clichés' e fiz a 'A Canção Simples'. Infelizmente foi single, não tive a esperteza de dizer que não o queria; o single teve sucesso e o álbum, que era o que queria que as pessoas ouvissem, passou um bocadinho ao lado".
Samuel Úria disponibilizou-se para ficar com os direitos sobre esse tema e, como prometido, disse o que achava em matéria de poesia.
"Todos os poemas bons são musicáveis, mas nem todos geram canções. Já ao contrário, acho que há letras que são brilhantes porque têm um suporte musical, mas quando são lidas, desprovidas da música, percebes que estão a sufocar por estarem fora do seu meio natural".
A questão 'infiltrada'
Em todas as conversas, há uma pergunta da redação do SAPO24 que é trazida ao direto pelo host desta rubrica. Samuel Úria chama-lhe de "a pergunta profissional", mas isso é ele a ser simpático.
Sem festivais e ainda sem se saber como serão os concertos em salas fechadas, como encaras o verão que aí vem?
Tiago Bettencourt respondeu que, nesta fase, já aprendeu a não fazer planos a longo prazo. Nem sequer a médio. "Faço planos para esta semana e para a próxima, nunca sei muito bem o que é que vai mudar", disse.
Isto porque, considera o músico, "estamos num período onde há muita gente a reinventar-se e existe a possibilidade de todo um novo mercado que não existia antes".
"Como os lives ou os streamings de boa qualidade. No 'Tiago na Toca' tento fazer um som que dê para ouvir de phones. E acho que isso pode ser possível numa escala um bocado maior. Consegues, com as devidas medidas de segurança, construir um concerto que, mesmo que não tenha público, seja transmitido com muito boa qualidade e que seja um evento que as pessoas queiram ver e pagar bilhete".
Será o futuro, então?
"Acho que ainda está para nascer essa plataforma, que adorava construir se fosse um magnata. Mas acredito que há uma janela de oportunidade para criar todo um novo mundo cibernético de concerto. Há público que se juntou, agora, a estas ferramentas e que se calhar não vai deixar de ouvir em streaming quando não tivermos de ficar em casa. (...) Reinventei-me e deixo também aqui o desafio aos promotores para se reinventarem".
E Samuel Úria gostou da abordagem: "estou muito agradado com o teu optimismo, está a inspirar-me. Abriste-me algumas perspetivas. Obrigada pela tua resposta, fiquei com o coração muito mais consolado depois de te ouvir falar".
A banda que juntou Samuel Úria, Tiago Bettencourt e uma atriz do "Pulp Fiction"
Veio a Maria Clementina
Veio a Maria Clementina
Veio a Maria Clementina
Tiago: "Passados dez anos, já estamos autorizados a revelar?"
Samuel: "As pessoas quando vão fazer entrevistas ou conversas para plataformas públicas de interesse de imprensa, preparam-se. Vão ler entrevistas do artista, vão à Wikipédia... Eu para me preparar fui ao meu e-mail e pesquisei pelo teu endereço. E sabes que vai fazer amanhã [9 de maio] dez anos que nós misturámos o single da 'Maria Clementina'?
Para quem não sabe, os músicos explicaram do que se trata. Este foi um projeto musical criado para promover uma bebida e juntou "gente talentosa" sem mostrar a cara. Todos os intervenientes, entre eles Samuel, Tiago, mas também Maria de Medeiros, eram representados por um cartoon. Chegou ter um EP 'cá fora', que saiu com uma edição da revista Blitz, e tinha a produção de Nuno Rafael, "ainda com mão quente depois dos Humanos".
Samuel: "Aquilo era um projeto pop, perfeitamente vendável (...), mas dez anos depois acho que podemos dizer isto: a coisa não teve sucesso, para além da campanha publicitária, porque o produto que estávamos a vender não era grande coisa".
Tiago: "Acho que nunca bebi (...) e ninguém associou a campanha ao produto".
Samuel: "No YouTube ainda vês gente, nos comentários, a tentar adivinhar quem canta".
[Quantas pessoas é que viram aqui uma questão de anos a ser respondida?]
Um produtor de mão cheia
Terminou como começou, com Cláudia Pascoal. Isto porque a vencedora do Festival da Canção, que editou recentemente o álbum "!", com produção de Tiago Bettencourt, estava a comentar no direto — assim como Márcia, bastante participativa do início ao fim da conversa.
"Estás-te a tornar num produtor de mão cheia", elogiou Úria.
"Para aí há dez anos que me ando a oferecer para te produzir e tu sempre a denegrir as minhas capacidades", respondeu Tiago.
Ficou a promessa de que tal iria acontecer, que não convenceu o autor de "Se Me Deixasses Ser". "Só dizes isso porque estão aqui pessoas a ver, eu sei como tu és por trás das câmaras".
À frente, já sabemos como Úria é. Ele estará de regresso na próxima sexta-feira, pelas 16h00, com mais uma "Conversas de roupão com Samuel Úria", no Instagram do SAPO24.
Comentários