"Estátua de Sal", "Passagem do Cabo" e "Vidas Vencidas" são os títulos reunidos neste primeiro volume, e faz parte da programação das comemorações do centenário do nascimento da autora de "A China Fica ao Lado", de acordo com o anúncio da Imprensa Nacional (IN).
A obra de Maria Ondina Braga encontrava-se ”há muito esgotada no mercado editorial português”, escreve a IN, no comunicado divulgado, adiantando que a sua produção literária será publicada em sete volumes, sob a coordenação dos professores Isabel Cristina Mateus e Cândido Oliveira Martins, e contará também com “a colaboração de estudiosos da obra da escritora, de várias universidades internacionais”.
Cândido Oliveira Martins, especialista em Teoria da Literatura, é o editor responsável pelo primeiro volume, que “permite ao leitor contemporâneo ‘descobrir a escritora mais cosmopolita da literatura em língua portuguesa do século XX’", detentora de "um percurso multicultural único e uma voz pioneira na afirmação de uma escrita no feminino, anterior à sua polémica irrupção nas vésperas de Abril”.
O segundo volume das Obras Completas será dedicado a “biografias femininas”, o terceiro, a “romances”, o quarto e o quinto, a “narrativas breves”, o sexto, a “outros textos” e, o sétimo e último volume, a “inéditos e dispersos”.
Num excerto de uma carta inédita da escritora Agustina Bessa-Luís, datada de 1968, a autora de “A Sibila”, sobre Ondina Braga, afirmou: “A minha impressão mantém-se; é uma escritora e não uma informadora de achaques da sensibilidade, como outros e outras são. Só desejaria que pudesse escrever mais”.
Sobre este primeiro volume, Cândido Oliveira Martins afirma, no prefácio, que “faz todo o sentido a reunião destes três livros num volume inicial das suas Obras Completas — 'Estátua de Sal', 'Passagem do Cabo' e 'Vidas Vencidas'".
"Escritos e publicados em épocas bem distintas da sua vida, estas autobiografias ficcionais aproximam-se a nível da temática, da estilística e da mundividência que caracterizam esta poética autoficcional, assente num contrato ou pacto de leitura específico, com uma dicção literária muito própria, singularizando-se claramente face às outras obras da autora”, que “escolheu resolutamente para si uma vida singular — escritora, professora, tradutora", acrescenta o investigador do Centro de Estudos Filosóficos e Humanísticos da Universidade Católica de Braga.
Maria Ondina Braga foi precetora de crianças na Grã-Bretanha, onde concluiu estudos de língua inglesa na Royal Society of Arts, e em França, onde prosseguiu os estudos na Alliance Française. Foi professora em Angola, Goa, Macau e Pequim, além de tradutora.
“O seu percurso de vida e literário confunde-se com a ideia de deslocação ou viagem, numa cartografia que passa pelos quatro continentes, do Brasil ao Sri Lanka ou Singapura. Esta condição itinerante e multicultural constitui a marca de água de uma escrita que experimenta vários géneros, da crónica ao conto, das memórias ao romance, além da poesia e diários ou notas de viagem. Com destaque para a autobiografia e autoficção, além das biografias breves de várias mulheres escritoras (algumas delas inéditas): Virginia Woolf, Irene Lisboa, Selma Lagerlöf, Katherine Mansfield, George Sand, Rosalía de Castro, Sei Shonagon e Anaïs Nin, entre outras”, escreve Cândido Oliveira Martins.
Maria Ondina Braga colaborou em vários jornais, nomeadamente Diário de Notícias, Diário Popular, n’A Capital, e também em revistas, como Panorama, Mulher, Ação e Colóquio/Letras.
Numa entrevista à jornalista e escritora Maria Teresa Horta, em abril de 1992 (Diário de Notícias), Maria Ondina Braga declarou: “Penso que a única coisa que me deu gosto na vida, o que na verdade me interessou, foi escrever”.
Maria Ondina Braga recebeu o Prémio Ricardo Malheiros, da Academia das Ciências de Lisboa, o Prémio Eça de Queirós e o Grande Prémio de Literatura ITF/dst.
Sobre os títulos reunidos neste primeiro volume, o cocoordenador do projeto recorda que “Passagem do Cabo” foi publicado pela primeira vez em 1965, pela ex-Agência-Geral do Ultramar, na sua coleção “Unidade”, sob a direção de Luís Forjaz Trigueiros, com o título de “Eu Vim para Ver a Terra”.
Em 1994 voltou a ser publicado, pela Editorial Caminho, com “muito significativas alterações, incluindo um novo título, embora a belíssima frase do título original se mantenha no ‘incipit’ narrativo da obra”, assinala Cândido Oliveira Martins, acrescentando que o “livro foi objeto de outras mudanças consideráveis, com destaque para a introdução de novos textos, sobretudo significativamente alterados face à 1.ª edição”.
“De facto, o aturado trabalho de reescrita opera uma revisão muito profunda do texto original de cada capítulo. No trabalho que preside à nova edição foram acrescentadas quatro secções, cujos títulos reforçam a ideia de etapas de uma viagem ou itinerário, desde África até Macau, bem como a inclusão de frequentes epígrafes poéticas, próprias e alheias (de Fernando Pessoa, Agostinho Neto, Vimala Devi, Camilo Pessanha, Almada Negreiros). Ao mesmo tempo, a reedição de 'Passagem do Cabo' é ainda enriquecida com múltiplas epígrafes entremeando os vários capítulos”, escreve Oliveira Martins, sugerindo que “seria muito elucidativo e proveitoso um trabalho de crítica genética que cotejasse analiticamente todo este trabalho de revisão”.
Quanto a “Estátua de Sal”, escrito em Macau, em 1963, foi editado pela primeira vez em 1969, pela Sociedade de Expansão Cultural.
“Entre outras particularidades, nesta edição inaugural, na capa e folha de rosto, continha apenas o nome de ‘Maria Ondina’, alterando depois para Maria Ondina Braga. Ao mesmo tempo, esta edição inicial contava com o elogioso prefácio de um prestigiado escritor nortenho, intitulado ‘Algumas palavras de Tomaz de Figueiredo’, texto prefacial onde a franca apreciação de qualidades da jovem escritora coexiste com um natural paternalismo do consagrado escritor, também ele de raízes bracarenses e minhotas”, escreve Cândido Oliveira Martins.
Cândido Oliveira Martins revela que, num exemplar da primeira edição, atualmente na posse da família da escritora, Maria Ondina Braga deixou um comentário à sua própria obra: “'Estátua de Sal' foi decerto um dos mais belos textos que escrevi. Palavras, pois, que pedi ao grande escritor Tomaz de Figueiredo, e assim com ele encontraria eu um verdadeiro livro. Acabei, pois, por ser simplesmente como sua filha que me chamava ‘alma’ e eu a pertencê-lo ao mundo do ‘alheamento e da solidão’”.
“Vidas Vencidas”, terceiro título incluído neste volume, foi editado uma única vez, pela Caminho, em 1998, na coleção “O Campo da Palavra”. “Está estruturado em 17 capítulos breves, recorrendo à estratégia citacional de colocação de algumas epígrafes, apenas do poeta António Nobre”, afirma o coordenador do projeto.
Quanto ao “processo de fixação do texto destas três obras, seguimos as edições mais recentes, publicadas em vida pela autora, embora sem desconhecer a [sua] evolução”, explica Cândido Oliveira Martins, sobre o trabalho de coordenação desenvolvido com a professora da Isabel Cristina Mateus, do Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho, especialista em Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea.
De contos e crónicas como os reunidos em “Amor e Morte”, “A Revolta das Palavras” e no derradeiro “O Jantar Chinês”, à novela e ao romance, como em “A Personagem”, a obra de Maria Ondina Braga reúne perto de duas dezenas de títulos como “Os Rostos de Jano”, “Estação Morta”, “A Casa Suspensa”, “Noturno em Macau”, “A Rosa de Jericó” e “Filha do Juramento”, além de “Angústia em Pequim”, relato de uma vivência expatriada, como leitora de português.
Uma “sagaz e ‘distanciada’ biógrafa da sensibilidade feminina, em conflito com as regras obsoletas, por vezes ferozes, por vezes ridículas, de uma sociedade masculina arcaica e repressiva”, escreveu Urbano Tavares Rodrigues, o autor de “Bastardos do Sol”, sobre a obra de Maria Ondina Braga, num artigo sobre a escritora, no antigo Jornal do Comércio.
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