“Estava a fazer uma estimativa de quantos milhares estarão aqui dentro... o pavilhão Atlântico está cheio”, diz-nos, emocionado, António David, enquanto roda a cabeça para verificar que também as plateias superiores do recinto se encontram repletas.
António vive em Lisboa “há mais de 30 e tal anos”, mas o coração está na sua terra natal, em Pedrógão Grande. Foi isso que o moveu, a si, e a mais de 50 pessoas, a maioria agora a viver na capital. Foram até à Meo Arena não apenas para fazer o seu contributo, mas também para dar voz a essa zona de Portugal, com uma tarja que ficou fixada no topo da maior sala de espetáculos do país: “Pedrógão Grande não esquecerá a solidariedade de um país. Obrigado!”.
A tragédia que abalou a zona centro do país - Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos - não deixou ninguém indiferente. Não há memória de algo tão calamitoso ter sucedido em Portugal na sequência de um incêndio: 64 vítimas mortais, mais de duas centenas de feridos e dezenas de desalojados. António David confessa ao SAPO24 que já esperava que o povo se unisse na sequência da tragédia, mas o que realmente acabou por acontecer “é completamente diferente”, conta-nos.
São cerca de três as filas repletas de gentes de Pedrógão a empunhar cachecóis, bandeiras e camisolas da região. Na ponta oposta, onde estava sentado António, conhecemos Felciano Roldã, também ele nascido e criado numa das principais áreas devastadas pelas chamas. “Estamos muito emocionados e muito sensibilizados, porque de facto nós somos apaixonados por Pedrógão”, diz-nos.
Feliciano, tal como António, também se mudou de Pedrógão para Lisboa há vários anos e, na capital, faz parte da Casa de Pedrógão, uma associação criada por aqueles que para aqui se mudaram e que serve para manter o contacto entre pessoas da terra. “Vivemos cá, mas costumamos ir lá muito regularmente, aos fins de semana ou de quinze em quinze dias”, conta-nos.
“Somos todos muito unidos e doeu-nos muito aquilo que aconteceu. Não só ver a mancha verde destruída, mas também os nossos vizinhos, os nossos amigos, as pessoas que nos ajudaram a criar e que andaram connosco ao colo a verem as suas propriedades, as suas famílias destruídas… os seus familiares mortos... ficámos muito tristes”, diz Feliciano.
Mas nesta noite, na Meo Arena, o concerto “Juntos Por Todos” é o reflexo de um país unido. Juntou as três televisões generalistas, assim como todas as rádios nacionais, e 14 mil pessoas que encheram o recinto para dar força a quem foi vítima da calamidade que há pouco mais de uma semana chocou um país.
Português, o povo que "não se junta só para ir ao futebol"
A contagem decrescente fez-se com o público em uníssono e com a gente de Pedrógão de emblemas ao alto. A pedido de Agir, a Meo Arena iluminou-se. O autor de "Como ela é bela", o primeiro a subir a palco, pediu para que todos os presentes ligassem as luzes dos telemóveis em “homenagem às vítimas de Pedrógão”. O brilho dos ecrãs uniu desconhecidos, numa constelação de solidariedade.
“Quando é realmente preciso os portugueses têm um sentimento de solidariedade em que nada mais interessa”, salientou no final da atuação o jovem músico. As estrelas por ali ficariam a noite toda, numa “homenagem a todos os que não podem estar aqui entre nós”, como disse Marisa Liz, no final da atuação da sua banda, os Amor Electro.
Este espetáculo, com mais de duas dezenas de artistas, levou apenas uma semana a ganhar forma (e força). O poder da música tem disto. E, para além do poder, uma função. Porque “se há função que a música tem é a de congregar pessoas e metê-las no mesmo local a falar da mesma coisa”, salientou David Fonseca, o leiriense, que também este sábado atuou - e encheu - no Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria, onde conseguiu, juntamente com outros artistas da região, angariar 10.500 euros para a mesma causa.
Para além do poder e da função, a união - o sentimento mais expressado ao longo desta noite. A música que une, mas também o povo português que se une nestes momentos como poucos fazem. “Afinal, a malta não se junta só para ir ao futebol. Também se junta para este tipo de causas", elogiou o fadista Hélder Moutinho.
É “nesta noite que reconheço que vivo num país que não olha a meios para ajudar. Juntos por todos”, salientou Raquel Tavares, ao mesmo tempo que convidava os presentes a pegarem nos seus carros e a dirigirem-se até às zonas afetadas pelos incêndios para dar um abraço às pessoas de lá que ficaram sem nada. Seja agora, daqui a umas semanas ou meses. E com uma promessa latente: “nós não vamos esquecer o que aconteceu”.
O verbo esquecer, ainda que escondido por entre a festa que ali se fazia e a avultada quantia amealhada que, a cada momento, continuava a aumentar, pairava sobre todos, sobretudo pelas pessoas que foram afetadas e pelos bombeiros.
Ainda antes de tudo começar, à porta da Meo Arena, o SAPO24 falou com o Jorge Mendes, antigo comandante dos Bombeiros Voluntários de Cabo Ruivo, atualmente na Associação de Comandantes dos Bombeiros de Portugal. “Nós temos a memória muito curta. Todos os anos existe uma situação ou outra mais complicada e nós chegamos aí a outubro ou novembro e esquecemos. Eu acho que esta vai ser marcante. Foi algo muito complicado, para não utilizar um termo mais forte”.
“Eu acho que as pessoas que faleceram merecem que não nos esqueçamos e sobretudo que não voltem a acontecer mais coisas destas”, sublinhou.
“Temos de exigir justiça por essas pessoas”
A noite também lembrou que é preciso não esquecer de agir. Numa plateia composta pelo presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa e pelo primeiro-ministro António Costa, acompanhado de alguns membros do governo, as mensagens políticas não tardaram a chegar.
Rita Red Shoes fez a intervenção mais quente da noite, relembrando que enquanto a festa se faz que há “há responsabilidades políticas e individuais que têm de ser apuradas”. “Só assim é que se terá respeito pelos que partiram e pelas famílias destroçadas. Temos de exigir justiça por essas pessoas”, sublinhou a cantora debaixo de uma enorme ovação de todo o público e também das gentes de Pedrógão, que se levantaram para aplaudir.
“Os nossos políticos que tanto falam, que tanto metem as culpas uns nos outros… Habituámo-nos a colocar a culpa uns nos outros, mas isto tem de ser resolvido”, disse Rui Veloso, que foi de encontro ao que foi dito por Marisa Liz logo no início do concerto: “é necessário fazer mudanças e não só falar sobre elas”.
“Só espero que a ajuda chegue a quem precisa”
Antes de Salvador Sobral subir a palco para terminar a noite que já ia longa, o SAPO24 volta a encontrar-se com Feliciano, do grupo de Pedrógão, sozinho, afastado das cadeiras e visivelmente emocionado. “É emocionante. Para nós que somos de lá, para nós que sofremos é emocionante. Só espero que a ajuda chegue a quem precisa”, disse.
Poucos minutos depois do vencedor do Festival Eurovisão da Canção ter colocado a Meo Arena a amar por todos aqueles que foram vítimas dos trágicos incêndios, os três apresentadores de televisão - Sílvia Alberto, João Manzarra e Fátima Lopes - subiram ao palco para anunciar o valor que foi angariado nesta noite, quer em bilhetes vendidos, chamadas ou donativos. O cheque entregue, na integra, ao presidente da União das Misericórdias Portugueses foi de, nada mais, nada menos, do que no valor de um milhão e cento e cinquenta e três de euros.
Algumas horas antes de tudo começar, na fila para entrar na Meo Arena, o SAPO24 conheceu Judite Ferreira, de Lisboa, que olhava espantada com a quantidade de pessoas ali presentes, com uma certeza, orgulhosa, na ponta da língua: “amanhã podem fazer outro que isto está cheio outra vez”.
E, no fim, é esse o sentimento que fica. Se amanhã 25 artistas nacionais se juntassem uma vez mais na Meo Arena, para ajudar as vítimas dos incêndios, a sala estaria, novamente, cheia.
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