“Lear” é a história de um “rei que pergunta às três filhas quem é que gosta mais [dele]” para dividir o seu reino.
“A partir de uma má decisão, e na sua fuga para a frente, faz um diagnóstico a si mesmo e, de alguma forma, a todos nós. Isso é o que o teatro sempre faz, e parece-me justo que assim seja”, resumiu Nuno Cardoso sobre a peça de William Shakespeare, que se estreia este sábado e fica em cena até 20 de novembro.
O encenador e diretor artístico do Teatro Nacional São João (TNSJ) falava hoje aos jornalistas, depois de um ensaio de imprensa que mostrou uma cena do 4.º ato da peça.
Esta é a primeira produção própria a pisar o palco do TNSJ, depois de ter estado encerrado durante quase um ano, devido às restrições da pandemia de covid-19 e a uma intervenção de reabilitação do edifício, no valor de 2,55 milhões de euros, que o preparou para os próximos 20 anos.
A peça representa “o jogo entre o que é a alma, que é, de alguma forma, o que o ‘Lear’ é – uma espécie de digressão no último minuto da vida de uma pessoa sobre a sua alma, os seus enganos, os seus equívocos”, sublinhou Nuno Cardoso.
“Faz um espelho, um bocadinho deformado, do que é o Homem”.
O fim de vida do Rei Lear joga também “com o último minuto dos elementos de cena do Teatro Nacional São João”, reparou.
“Pareceu-me que era justo haver esta dialética e refletir sobre nós, sobre o mundo, sobre o teatro, depois de termos aparentemente saído deste confinamento e de dois anos em que fomos confrontados diversas vezes com momentos em que viajámos pelos mesmos sítios onde Lear viaja e reflete”.
Essa reflexão, e a homenagem ao passado de um teatro renovado fazem-se com o “elenco quase-residente” do São João e com “pessoas novas”, como António Durães, o Rei Lear, com quem Nuno Cardoso nunca tinha trabalhado, ou Lisa Reis, que veste o papel de Cordélia e de cavaleiro, e faz parte do elenco no âmbito do programa de cooperação com o Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde.
Em palco estão também Afonso Santos, António Afonso Parra, Joana Carvalho, Margarida Carvalho, Maria Leite, Mário Santos, Paulo Freixinho, Pedro Frias, Rodrigo Santos e Sérgio Sá Cunha, bem como o músico Pedro ‘Peixe’ Cardoso.
A história do TNSJ surge também na cenografia.
“Na reabertura do teatro pareceu-me importante também narrar a história das pequenas coisas do teatro, que, durante estes 30 anos, assistiram a tudo o que foi peças, aquele armário é o da direção de cena, o sofá já nem me lembro, os figurinos narram os 30 anos de história do teatro”.
Esta encenação “é uma espécie de última homenagem ao teatro, aos atores que fizeram este percurso nestes últimos tempos, ao público, ao jogo e à comunidade.
Nuno Cardoso lembrou ainda que esta “é uma peça que atrai pessoas tão estranhas como Álvaro Cunhal, que a traduz, e repele outras, como Tolstoi, que não a suporta”.
Para esta versão, serviu-se de uma nova tradução de António M. Feijó, que “traz uma outra tonicidade ao texto, e um outro mistério”.
“Há passagens que, diz o António, são obscuras no original e devem manter-se obscuras. É o mistério que deve perdurar. Para além disso, há um refinamento no gosto, na língua portuguesa, que traduz a tonicidade do Shakespeare, e que me valeu muito, apesar de ser uma tradução absolutamente complexa, por causa de todas as 'nuances' que tem, e de obrigar a um encenador, que normalmente quer simplificar, a trabalhar um bocadinho mais”, destacou.
Depois de uma pré-apresentação dos dois primeiros atos, a versão integral de “Lear” de Nuno Cardoso pode ser vista a partir deste sábado, e até 20 de novembro, no Teatro Nacional São João, de quarta-feira a sábado, às 19:00, e domingos, às 16:00.
A récita deste domingo, dia 07 de novembro, terá tradução em língua gestual portuguesa. Todos os espetáculos têm legendagem em inglês.
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