Segundo o historiador, o nome do movimento político italiano fundado por Benito Mussolini (1883-1945), assim como o nascimento do fascismo como fenómeno italiano dominante no período entre as duas guerras mundiais, não assinala o centenário em 2019.

“Nos ‘Fáscios de Combate’ (Grupos Italianos de Combate) de 1919 não estava de facto o embrião do fascismo de massas, surgido durante 1921 e organizado militarmente no ‘esquadrismo’ ('Camisas Negras'), que destruiu as organizações do proletariado, conquistou o poder com a ‘Marcha sobre Roma’, afastou todos os outros partidos e instaurou um regime de partido único”, refere o historiador.

Para Gentile, o centenário do “fascismo histórico” deve situar-se no dia 11 de novembro de 1921 quando o movimento dos “Fáscios de Combate” se tornou diferente do fascismo de 1919 e se constitui como Partido Nacional Fascista.

A partir da “Marcha sobre Roma” a organização assume a estrutura organizacional original e inédita do partido de milícia, o primeiro da história dos partidos europeus, e o primeiro a conquistar o poder num país europeu, “no final de outubro de 1922”.

O livro “Quem é Fascista” do historiador italiano Emílio Gentile é uma original autoentrevista sobre o fascismo, sobretudo nos aspetos históricos que determinam o nascimento e o fim da ideologia e do regime, no quadro da História de Itália.

“É fascista quem se considera herdeiro do fascismo histórico, pensa e age de acordo com as ideias e os métodos do fascismo histórico, milita em organizações que se reclamam do fascismo histórico, aspira a concretizar uma conceção fascista da nação e do Estado e não necessariamente idêntico ao Estado de Mussolini”, sublinha.

O autor detalha igualmente o percurso de Benito Mussolini, como socialista e mais tarde como defensor de ideias “antissistema” e finalmente como ditador que acaba por ser derrubado após a Guerra Civil italiana (1943-1945).

No essencial, o historiador nota que o regime fascista totalitário foi um sistema político fundado na simbiose entre o Estado e o partido que criou um complexo de poderes organizacionais e institucionais governados pelos principais expoentes da hierarquia fascista, escolhidos pelo duce (Mussolini).

Como tal, afirma Gentile, o fascismo foi o primeiro movimento nacionalista e revolucionário, antiliberal, antidemocrático e antimarxista, organizado num partido de milícia, que conquistou o monopólio de poder político e destruiu a democracia parlamentar para construir um Estado novo e regenerar a nação, referindo-se também ao antissemitismo e ao racismo que marcaram o regime.

No entanto, por oposição ao pensamento do académico e escritor italiano Umberto Eco (1932-2016), no ensaio “Il fascismo eterno”, Gentile diz que não faz sentido - do ponto de vista histórico e político - afirmar-se que haja hoje um retorno do fascismo em Itália, na Europa e no mundo até porque, diz, não há um “jacobinismo eterno”, “liberalismo eterno”, “comunismo eterno” ou “anarquismo eterno”.

“Na realidade, a tese do eterno retorno do fascismo baseia-se no uso de analogias que geralmente produzem falsificações do conhecimento histórico”, afirma.

Atualmente, para Gentile o “perigo real” não é o fascismo, mas a divisão entre o método e o ideal democrático posto em prática numa “democracia de fachada”.

“Já ouviste alguém anunciar que regressaram ou podem regressar o jacobinismo, o legitimismo, o bonapartismo, o czarismo, o bolchevismo, o estalinismo, o franquismo, o salazarismo?” pergunta a si próprio na autoentrevista enfatizando a derrota do fascismo no século XX.

“O perigo real não são os fascistas reais ou presumidos, mas os democratas sem ideal democrático”, frisa.

“O fascismo morreu definitivamente, porque ninguém hoje – nem os neofascistas, parece-me – quer restaurar o regime totalitário que foi derrubado pela vitória irreversível das forças antifascistas, unidas para restaurar a liberdade e a soberania do povo italiano”, considera sublinhando que os partidos da Resistência puseram de lado as diferenças para estabelecer o Estado republicano e democrático.

O livro “Quem é Fascista”, de Emilio Gentile (Guerra e Paz, 121 páginas), foi publicado em português com tradução de Mário Matos.