Antes de ser Madonna, era Ciccone, estudante de piano e ballet e, mais tarde, de dança contemporânea — foi a sua professora, Martha Graham, que a apelidou de "Madame X", alcunha que repescaria para o título do seu último álbum. De uma das dançarinas do artista disco francês Patrick Hernandez passou para os Breakfast Club, com o namorado Dan Gilroy, onde cantava e tocava bateria e guitarra. O primeiro single surgiu em 1982, pelas mãos da Sire: 'Everybody'.

Começava aqui uma carreira de sucesso imenso e polémica a acompanhar. Se o primeiro álbum a solo, homónimo (1983) deu ao mundo canções como "Borderlin" e "Holiday", foi com "Like A Virgin" (1984) que Madonna se começou a transformar, definitivamente, na "Rainha da Pop". Jovens de todos os cantos começaram a copiar o seu estilo: calças até ao joelho, meias de rede, crucifixos e cabelo pintado de louro. Críticos mais conservadores acusavam-na de estar a promover o sexo antes do casamento e de estar a querer "destruir as famílias".

"True Blue", o seu álbum de maior sucesso comercial (mais de 25 milhões de cópias vendidas, pela força de temas como "Papa Don't Preach" ou 'La Isla Bonita"), surgiu em 1986. Começaram a surgir propostas para filmes, como "Who's That Girl", que também deu nome a uma digressão de sucesso. "Like a Prayer", em 1989, fez de Madonna pária no Vaticano: o vídeo, onde a cantora sonhava fazer amor com santos, deixou furiosa a Igreja Católica. Que não poderia prever o que se seguiria: "Erotica", álbum de 1982, e "Sex", livro repleto de fotografias explícitas.

No final dos anos 90, Madonna, que sempre esteve atenta às movimentações do underground musical, editaria o álbum que é ainda hoje dos mais aclamados pela crítica: "Ray of Light", manifesto de música de dança eletrónica construído com a ajuda do produtor William Orbit, ao qual se seguiu "Music" e o mal amado "American Life", onde o ativismo político não disfarçava a fraqueza de algumas canções (o vídeo do tema-título, que mostrava George W. Bush como alvo de uma granada arremesada pela própria Madonna, foi alvo de enormes críticas e, eventualmente, substituído por um outro, mais suave).

"Confessions on a Dance Floor", de 2005, recuperaria a música de dança, dos ABBA ao house francês, e foi porventura o último grande "clássico" de Madonna - "Hard Candy", "MDNA" e "Rebel Heart" passaram praticamente despercebidos. Até que a cantora se reencontrou em Lisboa, editando "Madame X", inspirada pelas músicas de Cabo Verde e pelo fado bem português.

Madame-Lisboa

Em 2018, quando completou 60 anos, Madonna disse numa entrevista à revista italiana Vogue que a temporada recente em Lisboa a influenciou no processo criativo deste álbum.

"Conheci imensos músicos maravilhosos e acabei por trabalhar com muitos deles no meu novo disco, por isso, sim, Lisboa influenciou a música e o meu trabalho. Como não influenciar? Não sei como é que eu teria passado este ano sem ter conhecido toda esta cultura", disse a cantora norte-americana na entrevista.

E as declarações de amor continuaram — mesmo tendo assumido ao The York Times ter sentido alguma solidão numa Lisboa "medieval" que "parece um lugar onde o tempo parou".

"Lisboa é onde o meu disco nasceu. Encontrei lá a minha tribo e um mundo mágico de músicos incríveis que reforçaram a minha crença de que as músicas à volta do mundo estão todas ligadas e são a alma do universo", disse por ocasião do anúncio do tão esperado álbum.

Em declarações à revista Visão, numa entrevista conjunta com jornalistas internacionais em Londres, Madonna voltou a assumir que "Madame X" é "um reflexo" do seu tempo em Lisboa.

Aliás, "Killers Who Are Partying", a primeira canção composta para o disco e onde se ouve Madonna a arranhar um português tropical a cantar o verso 'o mundo é selvagem, o caminho é solitário', teve origem numa guitarra portuguesa. “Comecei com a guitarra portuguesa e também com a guitarra da morna, que ouvi numa living room session em Lisboa. O disco foi construído à volta desse som em Killers, a primeira canção escrita para o álbum”, conta.

“Espero que o meu português seja bom”, atirou logo no início da entrevista coletiva, onde a jornalista da Visão era a única portuguesa presente. O “professor”, fez questão de esclarecer, foi o cantor Dino d’Santiago. "O Dino foi fundamental, ajudou-me muito a criar este álbum", acrescentou.

Em julho do ano passado, em entrevista ao SAPO24, o músico contou como tudo aconteceu. "Ela não ia gravar nada, estava a escrever um livro, estava a preparar um filme, mas a partir do momento que conheceu esta realidade [de Lisboa], começou a desenhar um disco. Desenhou um disco com base nestas influências todas".

Mas, ao contrário do que se previa, o cabo-verdiano de Quarteira não entrou no disco. Entra a carga dramática do fado e a guitarra portuguesa de Gaspar Varela (bisneto de Celeste Rodrigues). Num álbum cantado a três línguas (português, espanhol e inglês), entra também a influência da música lusófona, de Cabo Verde a Guiné, passando pelo Brasil — com uma versão de "Faz Gostoso", da cantora portuguesa Blaya, num dueto com Anitta. Entra a morna, o crioulo e o batuque — responsabilidade da Orquestra de Batukadeiras de Portugal, que andam em digressão com Madonna.

"Quando as Batukadeiras foram tocar para a Madonna, elas nem sabiam quem era ela. Sabiam do fenómeno Madonna, só. E foram elas, de tudo o que lhe mostrei, dos sons de Moçambique a Cabo Verde, quem mais a impressionou", recordou Dino d'Santiago ao SAPO24.

A digressão conta ainda com a trompetista portuguesa Jessica Pina, os percussionistas Carlos Mil-Homens e Miroca Paris.

Madonna trocou, em 2017, Nova Iorque por Lisboa para que o seu filho David Banda treinasse futebol nas camadas jovens do Benfica. “A última coisa que se esperaria de uma rapariga controversa como eu era tornar-me numa soccer mom em Lisboa”, disse numa entrevista à MTV. Mas foi o que aconteceu.

Na mudança para a capital, começou por instalar-se no hotel Pestana Palace. Depois de equacionar trocar Lisboa por Sintra ou pela Ericeira, a cantora mudou-se para o Palácio do Ramalhete, na Rua das Janelas Verdes, no bairro de Santos. A nova localização fez correr tinta face à cedência de 15 lugares de estacionamento, a troco de 720 euros mensais, por parte da Câmara Municipal de Lisboa. A última e atual morada fica na zona de Santa Catarina, próximo do miradouro do Adamastor. Além de David, vivem em Portugal Mercy James (13 anos) e as gémeas Stella e Estere, de 7 anos — filhos não biológicos da cantora.

Se a imprensa não a largou, os lisboetas parecem ter sido discretos. "As pessoas em Lisboa geralmente deixam-me em paz. De vez em quando alguém pede-me uma foto ou um autógrafo, mas eu tiro muitas sem problemas", conta Madonna na segunda parte da sua entrevista com a revista Vogue Itália.

Para além dos passeios noturnos por Alfama, os passeios a cavalo na Comporta ou a Alcácer fizeram fizeram parte da sua rotina. "Há muitas zonas em volta onde podes ir andar a cavalo, e cada vez que o meu filho não tem jogo ao domingo, o dia torna-se uma aventura em que podemos escolher um local para andar a cavalo", contou numa das entrevistas.

Mas nem tudo foi positivo. Um dos primeiros problemas da cantora em Portugal foi... tentar convencer a alfândega de que era era 'a' Madonna. "Quando passas a semana a tentar convencer a alfândega de que és mesmo a Madonna e, mesmo assim, eles não libertam a tua encomenda", lia-se numa publicação na sua conta de Instagram onde a cantora aparecia com um ar de poucos amigos.

Madonna quis ainda levar um cavalo para dentro de um palacete em Sintra para a gravação de um videoclip, mas foi-lhe negada a autorização. A cantora terá reagido mal, tentando reverter a decisão da câmara. À data, em declarações ao Expresso, Basílio Horta, presidente da Câmara de Sintra, defendeu que “há coisas que o dinheiro não paga”.

O-i-t-o datas no Coliseu

Pelos quais se paga, e bem, são os concertos da artista em terras lusas, com os preços a chegar aos três dígitos. Bilhetes ainda há, mas apenas para os camarotes superiores e a um valor de 200 euros.

Depois da América, a série de oito concertos (a 12, 14, 16, 18, 19, 21, 22 e 23 de janeiro) que dará na capital inaugura a digressão europeia de apresentação do novo disco.

Esta será a sexta passagem da artista por palcos nacionais. A sua estreia aconteceu em 2004 com a "Re-Invention Tour",  na Altice Arena (ainda com o nome Pavilhão Atlântico). Regressou no ano seguinte para atuar nos MTV Europe Music Awards, na mesma sala. Em 2008 foi a vez do Parque da Bela Vista receber a "Sticky & Sweet Tour" e em 2012 rumou à cidade dos estudantes para um concerto no Estádio Cidade de Coimbra com a "MDNA Tour". Agora será a vez do Coliseu de Lisboa a receber. 'Sala tão pequena...!?'. Sim. Madonna quer proporcionar aos fãs uma experiência intimista inspirada no que encontrou nas casas de fado e de amigos em Portugal.

Espera-se, ainda, um concerto bastante visual. Só não fique com a expectativa de ver fotos ou vídeos a circular pelas redes sociais — a não ser o que for partilhado pela própria artista. O concerto é "uma experiência sem telefones" e o uso de telemóveis, smart watches e acessórios, câmaras ou outros aparelhos de gravação não será permitido durante o espetáculo. Todos estes dispositivos serão guardados numa caixa hermética à porta da sala e apenas recuperados no final do concerto.

Sobre o alinhamento, e de acordo com o Setlist.fm, o concerto será dividido em quatro atos mais um encore. A produção cénica incluirá a reinvenção de uma casa de fados e a interpretação de "Fado Pechincha", com o guitarrista Gaspar Varela. No total serão ouvidas 21 músicas, entre clássicos e novos temas. De fora fica "Faz Gostoso", mas pode haver surpresas.