Rolling Stones. U2. Guns N' Roses. Pearl Jam. AC/DC. Está tudo? Não, falta um nome: Metallica. E que grupo é este? É simples: é o grupo das bandas rock que, ano após ano, independentemente dos álbuns novos que editem – ou não – são capazes de esgotar salas inteiras por todo o mundo. São o crème de la crème do rock n' roll de estádio, bandas com uma carreira e um currículo digníssimos, gente que arrasta gente mais ou menos nostálgica pelos tempos de outrora. Não são um espectáculo; são o espectáculo. E, de todos eles, os Metallica são inevitavelmente os mais “pesados”. Está tudo no nome, afinal de contas. Metallica: como definir um género musical inteiro em apenas uma palavra.
Há que louvar, naturalmente, todos aqueles que antes dos Metallica inspiraram os Metallica, de forma directa ou indirecta. Os Blue Cheer, por exemplo, banda do período psicadélico que em janeiro de 1968 (há cinquenta anos!) lançou Vincebus Eruptum, obra fundamental para se perceber como surgiu o heavy metal – dois anos antes dos Black Sabbath, considerados quase que de forma unânime como os pais do género. Jimi Hendrix ou os Led Zeppelin, que ensinaram a muita juventude a força demoníaca que existe por detrás de um riff. Os AC/DC ou os Motörhead. E, em pleno período punk e pós-punk, dois nomes que não poderiam estar mais afastados em termos sonoros ou culturais, mas que influenciaram sobremaneira um jovem Lars Ulrich e um jovem James Hetfield, levando-os a formar a banda em 1981: os Misfits e os Iron Maiden. A energia e a velocidade do punk aliada ao peso e à capacidade narrativa do metal. Nasciam os Metallica e com eles nascia o thrash – que, de todos os subgéneros metálicos, é sem dúvida um dos mais feéricos.
A história de como começaram a sua carreira é conhecida de todos os fãs dos Metallica, e mesmo daqueles que não o são. Lars Ulrich sai da sua Dinamarca natal e emigra para os Estados Unidos, já com o “bichinho” metal na cabeça, depois de ter visto os Deep Purple em Copenhaga. Coloca um anúncio num jornal de Los Angeles - «baterista procura músicos de heavy metal» -, respondido por James Hetfield. Dave Mustaine, hoje o líder incontestado dos Megadeth, junta-se à banda pouco depois. Daí nasce “Hit The Lights”, a primeira canção dos Metallica, que acabaria depois no seu álbum de estreia (Kill 'Em All, 1983) e que ainda hoje é tocada ao vivo sendo, sem dúvida, uma das mais queridas dos fãs, sobretudo dos da velha escola.
Onde é que tu estavas em 1986?
Velha escola essa que nunca conseguiu perdoar a “traição” dos Metallica, que nos anos 90 abandonaram, grosso modo, as suas raízes thrash para passar a apostar numa sonoridade ainda pesada, mas mais próxima do hard rock que da cena metálica que os viu nascer. Para essa legião de fanáticos, os Metallica não fazem “nada de jeito” desde 1986 – é essa, aliás, uma das frases que marcam uma muito partilhada reportagem da SIC do concerto dos Metallica no Estádio de Alvalade, em 1993, o primeiro que os norte-americanos deram no nosso país. A escolha do ano não é inocente, tanto para o fã que profere a supracitada frase como para a grande maioria dos fãs oldschool; 1986 é o ano em que os Metallica lançaram Master Of Puppets, provavelmente a maior das suas obras-primas e desde então aclamado como um dos melhores, e mais importantes, álbuns da história do rock e do heavy metal. E é também o ano em que um trágico acidente de viação, durante uma digressão da banda pela Suécia, provoca a morte do baixista Cliff Burton, peça fundamental na composição dos três primeiros álbuns de estúdio dos Metallica.
É provável que os Metallica nunca se tenham refeito da morte de Burton, não só pelo choque mas também pela importância que o músico tinha para a sonoridade do grupo. Jason Newsted, o seu sucessor, nunca foi particularmente bem amado pelos restantes membros – Hetfield e Ulrich, e também Kirk Hammett, que substituiu Dave Mustaine anos antes. Mas foi com ele que os Metallica chegaram definitivamente ao mainstream. Em 1991, lançam um álbum homónimo, por muitos apelidado de Black Album, que chega ao primeiro lugar do top de vendas de dez países e que, só nos Estados Unidos, alcançou o estatuto de disco de platina por 16 vezes. É o álbum de “Enter Sandman” e, em particular, de “Nothing Else Matters” - a balada que levou o nome Metallica até àqueles que nunca tinham ouvido um único tema metal. De repente, os Metallica já não eram os thrashers sujos que apelidaram uma das suas primeiras maquetas de Metal Up Your Ass; eram uma banda de que até donas de casa desesperadas podiam gostar.
Com a mudança de sonoridade, que passou a ser mais radiofónica, veio também uma mudança de visual. E um novo choque, para os fãs, e novos epítetos de “traidores!” lançados de todos os lados. Porquê? Porque, em 1996, o ano em que os Metallica editam Load (o primeiro de dois tomos menos metálicos), os membros da banda decidem apresentar-se de cabelos cortados. Sacrilégio! Nem os seus colegas de profissão perderam a oportunidade de mandar uma ou duas bocas: nesse mesmo ano, os Alice In Chains apresentam-se nos estúdios da MTV para uma sessão Unplugged, e o baixista Mike Inez dá o mote – escrevendo «os amigos não deixam os amigos ter penteados à Friends...» no seu instrumento. Mas mesmo que Load e Reload tenham merecido o escárnio e maledicência dos fãs mais antigos, apresentaram os Metallica a toda uma nova geração de fãs, ainda na ressaca do grunge e da morte de Kurt Cobain. “Until It Sleeps” ou “The Unforgiven II” foram temas que muito rodaram, então, na televisão e nas rádios.
Na viragem do milénio, os Metallica eram já um nome equiparável aos dos veteranos da cena rock, alheios a todas e quaisquer críticas. Mas, se em 1999, o álbum ao vivo com a Orquestra Sinfónica de São Francisco (S&M) lhes valeu novamente alguns elogios por parte da crítica especializada, a sua resposta ao Napster colou-lhes, para sempre, um rótulo indesejado para qualquer artista: «só estão nisto pelo dinheiro». Ao descobrirem que uma maqueta de “I Disappear”, tema que fazia parte da banda-sonora de Missão Impossível 2, estava a ser partilhada no Napster – bem como todo o seu restante catálogo –, os Metallica avançaram para os tribunais. Ganharam o processo que os opôs a essa rede peer-to-peer, uma das primeiras a “popularizar” a pirataria musical, mas perderam o respeito de muitos.
Das trevas à luz
Começou aí uma espiral negativa. Jason Newsted abandona os Metallica, após lhe ser dito que não podia dedicar tempo algum a um projeto à parte, os Echobrain. James Hetfield dá entrada numa clínica de reabilitação para superar o seu alcoolismo. E os Metallica gravam o mais odiado dos seus álbuns: St. Anger, “culpado” de não ter quaisquer solos de guitarra e de apresentar um som de bateria francamente fraco. A recuperação só teria início em 2004, com o lançamento de Some Kind Of Monster, documentário que mostra os problemas atravessados pelos Metallica nesses anos. Todas as fragilidades de uma banda contidas num só filme. Ainda que tenha sido bastante elogiado por público e crítica, Some Kind Of Monster pareceu não ser destinado aos fãs mas sim ao próprio quarteto, agora com Robert Trujillo a ocupar-se do baixo; um longo processo terapêutico que tinha como propósito ressuscitar os Metallica do torpor em que se haviam colocado.
A ressurreição passou pelo revisitar de obras antigas, nas digressões Escape From The Studio e Sick Of The Studio (esta última passou pelo festival Super Bock Super Rock, em 2007), e culminou com o lançamento de Death Magnetic, para muitos um regresso dos Metallica à boa forma – e, especialmente, ao heavy metal. Dois anos depois, a banda fazia as pazes com o seu passado, apresentando-se no mesmo palco que os “camaradas” Slayer, Anthrax e Megadeth, a primeira vez que os “Quadro Grandes” do thrash tocaram juntos. A suposta “morte do rock” não afectou a banda; ao longo desta década, foram muitos os palcos que pisaram e as salas que encheram, conquistando também os ouvidos dos millenials. Nem Lulu, álbum que fizeram em colaboração com Lou Reed e que para inúmeras pessoas é uma espécie de Voldemort (“aquele cujo nome não deve ser pronunciado”), os fez tropeçar. E 2016 manteve a mesma toada; Hardwired... To Self-Destruct, o seu décimo álbum de estúdio, voltou a granjear elogios.
É esse o álbum que os Metallica virão agora apresentar à Altice Arena, em Lisboa, num concerto há muito esgotado. Nenhuma outra banda de heavy metal seria capaz de manter este mesmo respeito por parte do público; os Iron Maiden talvez cheguem perto, mas os britânicos, ao contrário dos Metallica, nunca tiveram espírito pop. Os Black Sabbath anunciaram a sua reforma. E mesmo os “filhos bastardos” do metal, as bandas da geração nu metal, não esgotam datas com a facilidade dos Metallica. Naquele que será o seu 12º concerto em Portugal, e o primeiro desde 2012, os Metallica não terão nada a provar, nem sequer nada a confirmar: há muito que são a última grande banda de metal viva. Mesmo que para alguns 1986 tenha sido o seu túmulo. Foi um prazer crescer com eles – e será um prazer continuar a fazê-lo.
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