O livro foi escrito a pedido da mãe da autora, que morreu a 19 de abril de 2020, numa instituição de solidariedade social no Algarve, tendo sido uma das primeiras vítimas da covid-19 no sul do país, referiu a escritora.
“A minha mãe pediu-me várias vezes para escrever um livro que se chamasse ‘misericórdia’, porque ela achava que havia um desentendimento, no tratamento das pessoas, achava que as pessoas procuravam ser amadas, mas não as entendiam. Pediu-me que escrevesse um livro chamado ‘misericórdia’, para que se tivesse compaixão pelas pessoas e as tratássemos como se fossem pessoas na plenitude da vida”.
“Não pela compaixão mórbida ou piegas, mas pela compaixão de que se tratassem seres humanos que merecem respeito e que continuam a ter uma energia forte, muito grande, como qualquer ser humano”, acrescentou.
Lídia Jorge falou com a mãe, pela última vez, a 08 de março, “depois o lar fechou”, e morreu cerca de 40 dias mais tarde.
“Este não é um livro mórbido”, enfatizou a autora, para quem não foi nem triste, nem doloroso escrever este livro.
“É um livro sobre a vida, absolutamente; sobre o esplendor da vida que acontece quando as pessoas estão para partir, foi isso que eu verifiquei - os atos de resistência magníficos, que as pessoas têm no fim da vida”.
À Lusa, Lídia Jorge disse que, pelo que observou e foi a sua experiência, “há um desentendimento e uma forma de encarar esse período [final] da vida que [lhe] parece errado”
“Misericórdia não é um livro sobre a morte, é um livro sobre a resistência", reitera.
“É um livro duro, naturalmente. A primeira voz que surge no livro, que comanda, é uma mulher que resiste, que resiste até ao fim”, disse, acrescentando, “uma mulher que crê na vida como se a vida fosse eterna”.
”Essa experiência foi tão forte, que foi essa vitalidade que eu coloquei no livro, que não é um livro sobre o fim da vida, mas sobre a resistência das pessoas que, numa situação de fragilidade, lutam pela vida. Têm valores, [fazem] associações que nós desconhecemos, têm desejos, é como se os seus sentimentos tomassem uma outra dimensão, porque sabem que contam pouco tempo, na realidade, e vivem como se fossem eternos”, contou a escritora.
Para si, “foi uma experiência dura”, mas que lhe “ensinou muito” e a fez escrever este livro.
Lídia Jorge estreou-se com a publicação de "O Dia dos Prodígios" (1980). Desde então tem publicado romance, conto, ensaio, teatro, crónica e poesia. As suas narrativas foram adaptadas ao teatro, televisão e ao cinema.
Entre outros, Lídia Jorge recebeu o Prémio Correntes d’Escritas, em 2004, Prémio ALBATROS, da Fundação Günter Grass, em 2006, e o Prémio FIL de Literatura em Línguas Românicas, das Feira do Livro de Guadalajara, no México, em 2020.
"Misericórdia" é apresentado no próximo dia 21, às 19:00, pelo poeta José Tolentino Mendonça, prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação, na Santa Sé, no Palácio das Galveias, em Lisboa.
* Nuno Lopes, da agência Lusa
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