O escultor sempre se sentiu próximo “dos que riscaram as pedras no Paleolíticos Superior”, da sua modernidade e energia vital, disse à agência Lusa a curadora da mostra, Ana Cristina Pais.
A dois dias da inauguração, no domingo, homens e máquinas circulam pelos corredores e pelo átrio do museu, quase como se fosse um estaleiro de obras, no qual se cruzam técnicos de montagem, trabalhadores da fundação e toda a arte e engenho para a montagem de uma mostra que traz uma peça em pedra, com mais de três toneladas, nunca antes vista em público. Este “Cavalo Inacabado” ficará rodeado de desenhos em papel, de guerreiros em granito negro e do nu feminino, do legado do mestre que morreu no passado dia 05 de janeiro de 2021.
“Trata-se, assim, para além de uma exposição de escultura e desenho, de um momento particularmente emotivo para as equipas envolvidas na sua produção, que assume o sentido de homenagem ao escultor [João Cutileiro] e ao historiador [Bruno Navarro] que lhe deram origem”, explicou à Lusa a curadora Ana Cristina Pais.
Segundo a responsável, trazer ao Côa as gravuras sobre pedra foi uma ideia entusiasmante para João Cutileiro, que tinha um particular fascínio pela produção artística do Vale do Côa.
“João Cutileiro admirava a modernidade, a força e a energia telúrica dos artistas do Côa e a forma como, intencionalmente, riscaram a vida nas pedras. A pedra sempre foi o seu material de eleição, enquanto escultor”, vincou, referindo-se às manifestações milenares da arte rupestre.
Ana Cristina Pais lembrou que mestre Cutileiro tinha uma grande vontade de trazer as suas gravuras ao Museu do Côa, porque se sentia um pouco “parceiro dos que riscaram as pedras no Paleolíticos Superior”.
“João [Cutileiro], quando recebeu o convite para vir expor ao Côa, achou muito interessante o facto de ter gravuras em pedra, e vir para o sítio de excelência deste tipo de arte. Foi um prazer. Ele sempre mostrou um grande encanto em relação à preservação das gravuras do Côa”, disse a curadora.
A exposição “Gravuras Recentres e Outros Riscos”, de João Cutileiro, é o último projeto do escultor e, formalmente, o primeiro inteiramente desenvolvido pelo Centro de Arte João Cutileiro, entidade criada para promover a salvaguarda e divulgação do legado do artista, na região de Évora.
Pensada para ser inaugurada em novembro de 2020, quando do convite, em 2019, anterior à pandemia, a mostra resultou de uma proposta do antigo presidente da Fundação Côa Parque, Bruno Navarro, morreu subitamente no passado dia 30 de janeiro.
“Para o espaço extraordinário do Museu do Côa eram estas 64 peças da exposição que faziam sentido, quer pela relação com a envolvente, quer pela representatividade no contexto do trabalho de João Cutileiro, um trabalho marcado pela forte presença da imagem feminina”, vincou Ana Cristina Pais à Lusa.
A nova presidente do FCP, Aida Carvalho, disse por seu lado que este é um dia de futuro para o MC, com toda a equipa da unidade mesolítica focada no futuro, devido à situação pandémica que o mundo atravessa. “E esta exposição vai trazer uma vontade de continuar a projetar o Côa”.
“Esta exposição estava pensada para ser realizada no próximo mês de agosto, e decidimos antecipar a iniciativa de forma a proporcionar, ao longo do período, que vai de abril até setembro, um novo atrativo de visitação ao Museu, ao Parque Arqueológico e a todo o território “, frisou.
Aida Carvalho lembrou que esta exposição tem tudo a ver com o território do Côa, dado que a matéria-prima preferida do mestre João Cutileiro era a pedra.
“É conhecido que o mestre tinha uma grande admiração pela Arte do Côa” lembrou a presidente da Fundação.
Para dar corpo à mostra, estão envolvidas várias pessoas, coordenadas pela arqueóloga Dalila Correia, uma técnica que faz parte das produções do MC.
Para a técnica, este projeto vai muito além do que é uma montagem de uma exposição regular no Museu do Côa.
“A título de exemplo, a montagem do ‘Cavalo Inacabado’, que é uma obra de arte incrível e que em apenas duas horas já foi fotografada por algumas dezenas de pessoas, obedeceu a uma grande logística para a sua montagem, sendo a primeira vez que está exposta ao público. Temos esse privilégio “, referiu.
A arqueóloga do Côa disse à Lusa esta escultura faz todo o sentido, porque o cavalo é uma das figuras mais representadas na arte do Paleolítico, em toda a Europa.
Ao todo, a exposição comporta 64 peças, algumas nunca vistas pelo público, nas quais são utilizadas várias técnicas, com destaque para o “Cavalo Inacabado”, que está patente no átrio do MC.
A exposição será inaugurada no domingo, dia em que se assinala o Dia Internacional do Monumentos e Sítios, e estará patente no MC até ao dia 26 de setembro deste ano.
Como há 30 000 anos, no Côa, também João Cutileiro tem a vida gravada na pedra, a sua matéria primordial.
“O corpo do homem entregue à matéria e as máquinas de corte como extensão das mãos. E riscar, desenhar, pensar. Gravuras sobre pedra, desenhos sobre papel e um conjunto de guerreiros foram selecionados em estreita ligação com o escultor”, pode ler-se no catálogo da exposição.
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