Apesar de publicar romances desde 1993, em Portugal (como noutros países, particularmente nos de língua inglesa), só começou a chegar às livrarias este ano, pela Cavalo de Ferro, depois de vencer o prémio Booker Internacional, em 2018, com a tradução para inglês de “Viagens”. Este ano, voltou a estar nos finalistas daquele galardão com a tradução de “Conduz o teu arado sobre os ossos dos mortos”, publicado agora em Portugal.

“Viagens” foi publicado na Polónia, em 2007, enquanto “Conduz o teu arado sobre os ossos dos mortos” saiu dois anos depois, mas a obra mais destacada da escritora, segundo a crítica internacional, será “Os Livros de Jacob” (título traduzido, de forma livre, a partir da edição francesa da Noir Sur Blanc), ainda sem plano de publicação em Portugal.

Nascida na cidade polaca de Sulechów, em 1962, filha de dois professores, Olga Tokarczuk é uma escritora que tem sido duramente criticada pela direita na Polónia, tendo “Os Livros de Jacob” (de 2014) estado na origem de ameaças de morte que levaram a sua editora local a contratar guarda-costas para garantir a segurança da autora.

“Criámos esta história da Polónia como um país aberto e tolerante, como um país não contaminado por quaisquer problemas com as suas minorias. No entanto, cometemos atos horrendos como colonizadores, como uma maioria nacional que suprimiu a minoria, como esclavagistas e assassinos de judeus”, disse a autora depois de vencer, pela segunda vez, o maior prémio literário polaco, com “Os Livros de Jacob”, citada pela sua tradutora para o inglês, Jennifer Croft, que tentava perceber a torrente de ódio direcionada contra a autora.

A dias de novas eleições parlamentares na Polónia, com um Governo cujo ministro da Cultura, Piotr Glinski, disse recentemente já ter tentado ler obras da escritora, sem nunca as conseguir completar, Olga Tokarczuk escreveu no New York Times, em janeiro, que “as notícias na Polónia hoje parecem um novo tipo de monstro, um monstro Frankenstein que escapou ao controlo ‘online’, e se transformou em discurso de ódio que pode ser então encontrado em todo o lado”.

“Abres o teu ‘email’ e vais ver: ‘És um pedaço de lixo e vais morrer’. ‘Sabemos onde vives’. ‘Vamos cortar-te essa cabeça estúpida’. A Internet murmura com violência”, pode ler-se no artigo de opinião motivado pelo homicídio do presidente da câmara de Gdansk, Pawel Adamowicz.

A escritora acrescentava: “Os populistas usam uma linguagem que é mais agressiva e cheia de ódio. Procuram bodes expiatórios. Na Polónia, esses bodes expiatórios são os chamados esquerdistas loucos, os amantes de ‘queers’, alemães, judeus, fantoches da União Europeia, feministas, liberais e quem quer que apoie imigrantes”.

Educada na biblioteca local, da qual o pai era o responsável, Olga Tokarczuk foi motivada por uma “noção romântica de ajudar pessoas” para estudar Psicologia na Universidade de Varsóvia, e desenvolveu um fascínio pelo trabalho de Carl Jung, como o descreveu o jornal The Guardian, quando a entrevistou em 2018.

Quando adolescente, numa Polónia para lá da chamada “Cortina de Ferro”, Tokarczuk percebeu que muito do mundo lhe estava fechado: “Tudo o que era interessante estava fora da Polónia. Boa música, arte, cinema, hippies, Mick Jagger. Era impossível sequer sonhar em escapar. Estava convencida, como adolescente, que teria de passar o resto da minha vida nesta armadilha”, disse a autora à New Yorker.

Apesar de ter trabalhado como psicóloga clínica, abandonou o emprego quando constatou que era “muito mais neurótica” do que os seus pacientes, segundo a descrição que fez ao Financial Times (FT), para se tornar então escritora a tempo inteiro. Esse momento, de reconhecimento literário, foi o que lhe permitiu viajar pelo mundo e explorar, assim, o que sentia como distante quando mais jovem.

Apesar dos 57 anos, Tokarczuk é a escritora mais jovem a receber o Nobel da Literatura desde o chinês Mo Yan, em 2012.

Vegetariana, com umas distintivas ‘dreadlocks’ no cabelo (um estilo com nome 'plica polonica', adotado há uma década no aeroporto em Banguecoque por estar aborrecida), a autora explica várias vezes o porquê de não ter uma escrita linear.

“Nós, europeus do Centro, não usamos uma narrativa clássica linear e a minha resposta é que não temos uma história assim. A nossa perceção é diferente. A Polónia foi em tempos um poderoso país imperial que desapareceu dos mapas da Europa por mais de 100 anos. Foi partida e ocupada por nazis e russos. Surgimos e desaparecemos e não confiamos naquilo que nos é dito para acreditar”, afirmou a escritora ao FT.

Ao Guardian, adicionou uma explicação, face aos Europeus ocidentais: “Nós não confiamos na realidade tanto como vocês”.

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