"Se chorei ou se sorri
O importante é que emoções eu vivi”

- “Emoções”, Roberto Carlos

O ano ainda não tinha começado e já Bruno Nogueira escrevia uma página importante para o humor nacional. Depois de ter apresentado "Depois do Medo" em várias cidades do país, em fevereiro, um esgotadíssimo Altice Arena esperava-o. Foi o primeiro humorista, a solo, a pisar o palco da maior sala do país.

"Se for mesmo sincero, nunca pensei que fosse encher. Fi-lo pelo atrevimento e pela adrenalina do risco", escreveu Bruno Nogueira nas redes sociais, ao revelar que o espetáculo se encontrava esgotado. "A prova de que isto não é falsa modéstia é que apostei com a minha produtora uma viagem a Nova Iorque em como não esgotava. E estávamos na altura a falar da disposição de palco em que levava 9 000 pessoas", revelou.

A um mês do espetáculo, estavam vendidos quase 14 mil bilhetes. “Estou a dever uma viagem à minha produtora, e a vocês estou a dever muito mais do que isso", escreveu na mesma plataforma.

"Aconteça o que acontecer, já fizemos história. Obrigado por terem-na escrito comigo”, dizia. E, recordamos, esta frase é apenas de janeiro.

A ajudá-lo nesse dia, naquela que seria a sexagésima apresentação de “Depois do Medo”, o espetáculo que marcou o regresso ao stand-up, dez anos depois do último, Bruno Nogueira tinha alguns amigos: Manuela Azevedo e Hélder Gonçalves (Clã), Ricardo Araújo Pereira, Carlos Coutinho Vilhena e Salvador Martinha.

A cargo dos três humoristas ficou a apresentação; dos músicos uma despedida em jeito de encore ao som de “Emoções”, de Roberto Carlos.

Quem não conseguiu bilhete, não desanime. O espetáculo está disponível até 11 de janeiro na plataforma online “Kontainer”. Para além do solo, pode ainda ‘alugar’ — por 24 ou 48 horas — um documentário com imagens inéditas de bastidores, preparação e montagem do espetáculo e entrevistas exclusivas.

“Esta tourneé serviu para fazer as pazes com o stand-up”, conta aí Bruno Nogueira. “Foi um ano e dois meses muito intensos. Agora vou hibernar. Os próximos meses vão ser daquilo que eu sei fazer melhor. Vou estar a acordar e pensar: ‘O que é que eu vou fazer hoje?’. Sabes esse tipo de dia?”.

Não, não foram.

Depois do Medo, o Bicho

“Som, sim? Som, não?”

- as falhas no Instagram

Estávamos em março, fechados em casa. Não se sabe bem ao certo da data do primeiro ‘live’, mas isso também não importa. Nascia o “Como é que o bicho mexe”. Um formato a que a indústria ainda não arranjou nome. Um programa de conversas? Uma série? Foi a companhia contra o isolamento, contra as angústias, a incerteza dos meses seguintes e se realmente iria mesmo ficar tudo bem.

Diretamente do escritório, em sua casa, Bruno Nogueira inaugurou um formato de conversas diárias, de segunda a sexta-feira, com convidados vários, sempre nas suas insta-stories. Com um tema de abertura de Dillaz e um copo de vinho — tinto ou branco — sempre a acompanhar, depressa as emissões ganharam uma audiência consistente na casa das dezenas de milhares. Emissões efémeras, quando acabavam, não ficava um registo para a história. O objetivo era esse, viver aquele momento — mesmo que o humorista tenha travado algumas lutas com quem decidia gravar e meter no YouTube.

Entre os convidados habituais de Bruno Nogueira no programa contaram-se Nuno Lopes, João Manzarra, Salvador Martinha, Beatriz Costa (Marta Bateira), Jessica Athayde, Bumba na Fofinha (Mariana Cabral), Inês Aires Pereira, João Quadros, Ljubomir Stanisic, Albano Jerónimo ou Nelson Évora. Sem esquecer a mãe, pai e irmã de Bruno Nogueira.

Não havia guião, apenas uma certeza. Começava às 23h00 e acabava perto da 01h00 da amanhã. O primeiro a entrar era Nuno Markl e o último, ao piano, era Filipe Melo (Pipão).

Para a história ficam ainda as conversas com Eunice Muñoz, Maria João Pires, Filomena Cautela (enquanto apresentava o "5 para a Meia-Noite"), Rita Blanco, Miguel Guilherme, Fernando Rocha, Carolina Torres e Vhils, na véspera do 25 de Abril, enquanto esculpia um mural em homenagem a Zeca Afonso.

Sem esquecer, claro, Cal Lockwood, locutor de uma pequena estação de rádio do Ártico, “Arctic Outpost”, que da noite para o dia ganhou uma base de seguidores maioritariamente portuguesa.

Bruno Nogueira fez questão de sublinhar que aquele não era o momento para as entrevistas, mesmo tendo sido solicitado por quase todos os meios, recusando também publicitar produtos de marcas que o abordaram. Ao invés disso, utilizou o programa como uma fonte de angariação de fundos para instituições de cariz solidário (como a Coração Amarelo ou a APAV). Por cada programa angariaram-se quantias na ordem dos milhares de euros.

À Lusa, Francisco Véstia, especialista na criação de estratégias de conteúdo para marcas, e Gustavo Cardoso, diretor da OberCom, laboratório de observação dos media portugueses, analisaram os possíveis impactos que Bruno Nogueira pode ter introduzido na maneira como se produz e consome conteúdo, ao ter criado algo "sem precedentes”. "Merece ficar registado para ser analisado no futuro. Não há nada que se possa analisar agora em comparação, esta é a referência daqui para a frente", afirmou Francisco Véstia, 'country manager' da empresa Samyroad. Para o consultor, este fenómeno criou "um patamar que vai ser referenciado" e estudado por marcas, patrocínios e gestores e pode ser positivo para o mercado de conteúdo de digital, porque mostrou a quem tem poder de decisão que o mesmo funciona.

O Natal de maio

“Para onde vou? Não sei
O que farei? Sei lá
Só sei que me encontrei
E que eu sou eu em fim
E sei que ninguém mais rirá de mim"

- “Vendaval”, Tony de Matos

As semanas passaram, os diretos continuaram — à excepção de um dia; soube-se depois que Bruno Nogueira tinha ido “fazer uma zaragatoa”, como detalhadamente contou.

Começava a ficar a dúvida, até quando? Com o fim do estado de emergência, até quando iria o humorista prolongar aqueles serões em comunidade? A ideia do fim surgiu em conversa com Nuno Markl: o Natal de maio. “Durante o tempo do direto, a partir das 11 da noite de sexta-feira, luzes de Natal na janela”, pediu. Ao líder de multidões (digitais), milhares de pessoas acederam, por todo o país, enfeitando o exterior das suas casas com iluminações natalícias.

A 25 de maio, Bruno Nogueira assim fez. Com Nuno Markl ao volante, os dois seguiram pelas ruas da Grande Lisboa, entre aplausos e buzinas, acompanhados por uma ‘escolta de seguidores’.

Pelo meio, algo épico. Cristiano Ronaldo entrou em direto a partir de sua casa, em Turim. Nogueira foi surpreendido pela chamada de CR7, através da conta de Instagram da sua namorada, Georgina Rodríguez. “Só para te mandar um abraço que aqui é uma hora a mais. Amanhã há treino. Grande abraço e sucesso”, desejou o capitão da seleção.

A viagem terminou no Coliseu dos Recreios, onde vários dos seus amigos e ‘convidados’ o esperavam. Bruno Nogueira cantou “Vendaval”, de Tony de Matos, com Nuno Rafael na guitarra e Filipe Melo ao piano: “Voltamos a encontrar-nos em algum sítio, não sei, provavelmente aqui, é um até já”.

Deixem o pimba em paz

Até já, porque na reabertura das salas e no regresso dos espetáculos, a 1 de junho, Bruno Nogueira também esteve presente, desta vez com o “Deixem o pimba em paz”.

O espetáculo é uma ideia original de Bruno Nogueira e conta com a direção musical de Filipe Melo e produção de Nuno Rafael. Tudo começou com um par de datas, em setembro de 2013, no Teatro São Luiz, em Lisboa, pela mão do humorista e da voz dos Clã e, desde então, nunca mais se deixou o pimba em paz. Percorreu o país, foi editado em disco, alargou o universo das suas canções e convidados, e chegou aos palcos das comunidades portuguesas, como a celebração do Dia de Portugal, em Newark, nos Estados Unidos, em 2017.

Os bilhetes para a primeira apresentação, com o “preço simbólico” de cinco euros, esgotaram em tempo recorde. A segunda data, com ingressos a dez euros, foi pelo mesmo caminho. Para além das cerca de 2 mil pessoas que lotaram a sala, Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa também fizeram questão de estarem presentes.

No Instagram, o humorista confessou que ficou comovido com o regresso aos palcos: "Foram várias as coisas que me comoveram nestas duas noites de recomeço em passos de bebé da cultura em Portugal: poder estar num palco novamente, ver técnicos e músicos numa alegria emocionante, sentir a plateia receber-nos com muito mais amor do que nunca", salientou.

Na mesma publicação, o humorista também respondeu às críticas que, entretanto, se levantaram e defendeu-se de quem considerou que foi perigoso realizá-los em plena era Covid-19. [o espetáculo acabou por ser, durante os meses de verão, uma arma de arremesso quando algum evento era impedido de se realizar com público, como o futebol].

“Só aceitei fazer este espetáculo porque isso me foi assegurado, e porque as novas regras da DGS e do Governo assim o permitem", sublinhou Bruno Nogueira, lembrando que "as entradas foram sempre feitas com o distanciamento exigido, com marcas no chão que pediam às pessoas que esperassem a dois metros da pessoa da frente".

O regresso à SIC e 2021

Em julho sabe-se que o apresentador ia regressar à estação onde se estreou, no “Levanta-te e Ri”.

De acordo com o comunicado divulgado pelo grupo Impresa, a contratação de Bruno Nogueira abre “perspetivas para o desenvolvimento de conteúdos de entretenimento e ficção nas diferentes marcas SIC, com especial destaque para o canal generalista e ainda nos canais temáticos, bem como para as plataformas digitais”.

Bruno respondeu. “A liberdade criativa que o Daniel Oliveira e a SIC me oferecem é, mais do que nunca, uma oportunidade irrecusável. Agradeço o convite e a confiança demonstrada neste meu regresso à SIC, e espero estar à altura daquilo a que me proponho. Por outro lado, para o Daniel Oliveira, será o fim de uma época dourada. Nos livros de história da televisão, o Daniel será sempre recordado como aquele a quem tudo corria bem, até ter contratado o outro’. Bem jogado, Bruno. Mal jogado, Daniel”, disse Bruno Nogueira.

À data ainda não são conhecidos novos projetos, mas o humorista estreou, a 24 de novembro, na nova plataforma de streaming da SIC, a OPTO, um documentário sobre o “Como é que o bicho mexe?”. “O Natal de Maio”, assim se chama, mostra os bastidores da ‘última emissão’ em maio.

Enquanto não há novidades para 2021, resta agradecer a companhia em 2020. Obrigado, Bruno.


Foi um ano duro, mas nem tudo é mau. Alguns tiveram boas razões para celebrar naquele que ficará para a História como o ano da pandemia. Este é o Almanaque da Felicidade de 2020. Se também teve motivos para ser feliz este ano partilhe connosco, envie um email para 24@sapo.pt